06/06/10

Um mal menor

Ao que parece anda por aí muita boa gente de pêlo eriçado (e por aqui também) com as palavras do cardeal-patriarca de Lisboa acerca da promulgação da lei do casamento homossexual por parte de Cavaco Silva.

D. José Policarpo foi algo infeliz em algumas das suas palavras? Concedo. Mas em duas ou três, não mais. Por isso, a histeria instalada sobre o facto surpreende.

Aliás, a revista SÁBADO, que na verdade até costuma ter mais juízo, no seu editorial de 2 de Junho, vai ao ponto de falar de uma «estratégia política» concertada da hierarquia católica, simbolizada por D. José Policarpo, e de «alguns católicos» para tomar o poder em Portugal. Não vale a pena comentar a absurdidade da ideia. Para mais, Pedro Santana Lopes, outro putativo bom católico e «soldado fiel» (?), nem sequer serve para balançar a equação. Se este está insatisfeito com Cavaco Silva, é certo e sabido que tal se deve apenas a um pueril e antigo sentimento de desforra. Isso, e a sua constante e patética necessidade de mostrar que, afinal, ainda está vivo e anda por aí. Conta pouco. Conta nada.

O que conta relembrar é que Cavaco Silva sempre discordou, tal como estava, da lei do casamento homossexual. O que o cardeal-patriarca pedira fora apenas que este fizesse por demonstrasse essa sua posição pessoal, devolvendo deste modo o diploma ao Parlamento. Na prática seria inútil? Na prática quase tudo é inútil. Restam as convicções, as quais, se por um lado não moldam o mundo, ajudam a defini-lo.

Cavaco Silva não o entendeu assim e aprovou o diploma em frente às câmaras de televisão. Tudo para, supostamente, não afastar as atenções dos agentes políticos dos problemas reais das pessoas e não acentuar as fracturas na sociedade. Está à vista o grande sucesso dessa perspectiva.

Claro que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é um assunto pacífico. Nunca foi. Provavelmente nunca será. Razão simples: o assunto tem implicações importantes na definição de uma sociedade e de uma cultura. Por isso a sociedade divide-se. E divide-se naturalmente. Resta dizer que tentar varrer divisões e discussões para debaixo do tapete nunca foi boa política. E será preciso relembrar que o pedido de referendo ao casamento homossexual, que chegou a reunir mais de 90 mil assinaturas, foi vergonhosamente deitado no caixote do lixo pelo Parlamento?

É, pois, natural que uma grande maioria dos «católicos» portugueses esperasse mais de Cavaco. Erro deles, claro. Como diz e bem o João, Cavaco Silva é um político tout court que opera mediante as circunstâncias e de um conjunto putativo de interesses superiores da pátria. Que, devido a isso, nas próximas eleições, muita gente vá votar em Cavaco Silva como um «mal menor» não me deixa dúvidas. E, obviamente, ao cardeal-patriarca D. José Policarpo também não.

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