10/06/10

A Democracia do Tiago


Concordando eu com a maior parte das coisas que o Tiago diz sobre o Presidente - à excepção do que já disse aqui -, passo à questão do regime e dos referendos.

O Tiago volta a bater na mesma tecla: a democracia parlamentar é imperfeita, mas só a temos porque não há melhor. Um bocadinho à laia do truísmo de Churchill, que dizia que «a democracia é a pior forma de governo, à excepção de todas as outras». Em parte, concordo. O que não quer dizer que o Tiago esteja certo. Passo a explicar.

O meu caro co-bloguista parte do princípio (errado) de que a minha descrença face ao referendo é simultaneamente uma grande devoção à «política feito pelos políticos» (uma assumpção ofensiva para a minha pessoa e também para mim) e um certo desprezo pela voz popular. Tirando tudo o resto, esta última está correcta.

É verdade. Desconfio da «voz popular», que para mim é uma espécie de «Vontade Geral» rousseauniana. E, ainda para mais, desconfio dos referendos. Não é falta de vontade de participar na vida política nem de deixar que outros o façam. É apenas uma atitude prática: se os referendos fizerem tanto sentido e tiverem tanta utilidade como as comissões de inquérito parlamentares, então continuo a achar que não se deve deitar dinheiro à rua fazendo programas políticos atrás de consultas populares.

E a razão é simples, Tiago. É que, sendo eu um grande fã da «sociedade civil» à americana, acabo por ver para além do que está à vista desarmada em relação aos referendos: não são vinculativos e tendem a simbolizar os «assuntos mais importantes», o que é perfeitamente imbecil. Por esta lógica, teríamos um referendo sobre os impostos retroactivos, um sobre a integração europeia (lembram-se da importância que teve o «Não» no referendo ao Tratado Europeu?), outro sobre o TGV, e por aí fora.

Não. A pressão «popular» deve ser feita directamente sobre o Parlamento. E sublinho directa. Porque se, pouco a pouco, os assuntos mediáticos forem desviados do Parlamento e da discussão pública para serem votados, à margem e sem importância legal, em direcção a um simples «Sim» ou «Não», então desautoriza-se, cada vez mais, os órgãos dos quais nos dizemos tão grandes fãs. A solução, a haver, passa por alterar o regime que temos e a retirar algum do poder que os partidos têm sobre os deputados e passá-lo um pouco mais para o eleitor.

Eu já percebi o Tiago. Dizendo-se um céptico da democracia - que, sem dúvida, é imperfeita porque não se pode agradar a gregos e troianos -, ele parece ser agora fã de um género de sistema, ou mesmo de «democracia», mais perto do modelo do Preço Certo, onde o Presidente é o «gordinho» e temos um público ao molho a gritar sugestões, opiniões, devaneios e, quiçá, imprecações para o estúdio, onde os concorrentes é que têm o verdadeiro poder de escolha. Escusado será lembrar ao Tiago que o público, como em quase todos os programas, e mesmo que tenha razão, não manda nada. E que o Tiago, quando quase parece sugerir que toda a gente se deve pronunciar sobre tudo a toda a hora, só me faz lembrar o que John Adams uma vez disse ao escrever a Rousseau: «Reading your work, one has the desire to walk on all fours».

Resta-me dizer: se o Tiago insiste neste modelo de democracia «à Preço Certo», eu tenho para mim que a solução para os problemas pátrios reside em Lenka da Silva, e não no público. Mas isso sou eu que aposto sempre no voto útil.

Sem comentários:

Enviar um comentário