19/06/10

Um qualquer José Saramago


Perdeu-se um escritor medíocre. Num mundo perfeito, tal seria uma mera notícia de rodapé. Os amigos recordá-lo-iam. Os inimigos também. Escrever-se-iam duas linhas. Um adeus. Um agradecimento. Pelo esforço. Pela tentativa.

Mas este não é um mundo perfeito. Neste mundo em que vivemos, a mediocridade é leitura obrigatória dos imberbes, recebe prémios que outrora tiveram significado e enche páginas laudatórias de jornais. Afinal descobre-se que o escriba só tinha amigos. Os inimigos (poucos, poucos), coitados, não passam de meros invejosos.

A pátria chora. Uma mediocridade desapareceu. A pátria chora sempre nestes momentos. A pátria, na verdade, sempre gostou do dramatismo destes momentos.

E isto porque morreu José Saramago (1922-2010). Militante comunista, que sempre defendeu a «democracia» cubana e fez de seu apanágio o insurgir-se contra a censura à sua pessoa. Que ele próprio tenha sido um reconhecido censor à pessoa dos outros é apenas um pormenor. Afinal, até nisto ele era um homem igual aos outros.

Escritor anteriormente meramente suportável, com o Prémio Nobel da Literatura tornou-se uma figura reverencial. Os «especialistas» surgem. Os «especialistas» explicam. Saramago era um escritor de «ideias» que «revolucionara» a escrita. Que as suas ideias tenham sido insuficientes para encher um conto de duas páginas e que a sua escrita revolucionária fizesse da leitura um acto impossível, obviamente não os perturbou, nem, aliás, se espera que os venha a perturbar. O Nobel, afinal, fora merecido. Por tudo. Por nada.

E pelo Nobel será lembrado. Pelo Nobel, aliás, ganhou uma última viagem num avião militar que o trará a Portugal, onde algures passarão a repousar as cinzas.

E eu? Eu aqui fico, a deleitar-me com os duzentos programas especiais de documentários, entrevistas e balanços sobre o homem que a televisão, benza a Deus, não me deixa desprezar. Afinal, bem vistas as coisas, nem tudo é uma perda.

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