15/06/10

Um truísmo aparentemente necessário

O João, parece, diverte-se a distorcer as minhas palavras e a baralhar tudo. Eu próprio, devo admitir, já estou baralhado. Com ele, claro, que pensava que era individuo para ter ideias mais organizadas. Assim, para evitar que a sua pobre cabecinha entre novamente em curto-circuito, tentarei manter a coisa simples.

É verdade que o João gosta da «sociedade civil à americana». Na teoria. Na teoria. Aquela que está «na rua», mas não é «anónima». Aquela que faz «pressão», mas uma pressão muda. Aquela que contacta com os «políticos», mas, no fundo, não se deixa ver. É uma perspectiva interessante, ainda que, suspeito, pouco prática.

O João não gosta de referendos. Embicou aí (ainda que, esse assunto, seja apenas lateral). E deseja embicar comigo por aí. Porque eu os considero «instrumentos». Naturalmente que, na sua triste casa, ainda não se inventaram instrumentos de alimentação. Garfos e facas. Copos e pratos. O homem, coitado, ainda come à mão, provavelmente em memória de tempos mais felizes.

Nada contra. Cada um corta o bife como gosta e pode. No entanto, sou forçado a afirmar o óbvio. E o óbvio é que, os «instrumentos», por si, não são positivos ou negativos. São neutros. Servem uma função ou um objectivo. Os quais, claro, podem ser nobres ou deploráveis. O Parlamento, aliás, é um instrumento da democracia parlamentar. Tal como o voto electivo. E tal como o referendo ou uma petição. O João, aparentemente, acha que não.

Por isso se torna mais que evidente que não é necessário e impreterível o referendo para que haja uma participação política da sociedade. Eu nunca o afirmei. O João é que julga que sim. Que fazer?

Mas eu disse que aceito tudo o que vier de uma maioria? Nem estive lá perto. Disse apenas que, num regime democrático, a maioria governa. Estalou o escândalo. Estalou a incredibilidade. A sério? A sério. Porque uma maioria parlamentar (imagine-se absoluta, até entre vários partidos se se desejar) representa uma maioria representativa (também absoluta) da sociedade, e que por isso necessariamente vincula uma minoria nas suas opções e decisões. Acontece. Aliás, já aconteceu. Porque o jogo democrático sustenta-se, exactamente, no peso e na força da maioria.

Por isso o problema das «liberdades e garantias» do indivíduo é um problema que não está imediatamente relacionado com o regime. E por isso, ao contrário do que o João brama entusiasticamente, eu não confundo «democracia» e «liberdade», apesar, claro, de existir tendencialmente uma relação. Nomeadamente a de se a democracia pode ou não potenciar uma maior liberdade (a mesma não é um conceito absoluto) do indivíduo.

Razão simples: o tipo de democracia depende nós, enquanto sociedade. E de quanto nós, enquanto sociedade, privilegiamos ou não as nossas liberdades. Por isso uma democracia pode, naturalmente, ser «iliberal». Este é, aliás, um risco por demais conhecido, e não uma descoberta recente do sr. Fareed Zakaria, que o João muito aprecia.

Termino. E termino com um truísmo que pensava desnecessário. Eu aprecio a democracia parlamentarista. Não me imagino, aliás, a viver noutra. No entanto, não considero que a democracia comece e acabe no Parlamento, mas sim que ela começa e acaba em nós, enquanto agentes activos dessa mesma democracia respeitadora das liberdades que desejamos preservar. Porque o Parlamento é um microcosmo da própria sociedade. Representa-a, mas não a substitui. E imaginar o inverso é imaginar uma realidade perigosa.

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