07/06/10

O Presidente e o Parlamento: para que servem?



A propósito deste meu post, o Tiago acusa-me de ser um histérico. Que exagero, Tiago. Que exagero.

Não querendo obrigar ninguém a classificar-me medicamente, devo, no entanto, corrigir a imprecisão do meu caro Tiago: tecnicamente, não sou um histérico, mas sim um neurótico (vide DSM-IV). Ou, no limite, um depressivo arreliado com tudo o que o rodeia, que estará para um depressivo como uma segunda nacionalidade. Sendo assim, nada é para mim histericamente o fim do mundo. Já no que toca a ficar com umas comichões estranhas na barriga com a parvoíce pública de alguns, isso já é outra história. Esclarecido isto, passo ao assunto propriamente dito.

Diz-se agora por aí que Cavaco é eleito segundo as suas opiniões, segundo uma certa «visão do mundo». Um disparate pegado. Por várias razões. Primeiro, das opiniões de Cavaco só sei que gosta de bolo-rei e não gosta de José Saramago. E duvido que alguém - salvo, talvez, quem trabalhe intimamente com ele há vários anos - saiba muito mais. O resto é uma vasta e inóspita paisagem.

Segundo, Cavaco foi e será eleito não por um Portugal romântico e idealista, mas por exclusão de partes: os melhores socialistas (ainda os haverá, acredito) estão espalhados por Bruxelas ou por cargos simbólicos aqui e ali, sem grande vontade de entrar para o pântano mesmo à hora da crise social rebentar; à direita de Cavaco Silva, um deserto a perder de vista e sem gente com qualidade ou percurso para vencer umas eleições presidenciais; pelo menos na imagem, é um dos mais idóneos políticos activos do tempo do relativo desenvolvimento do cavaquismo; e, mais importante de tudo, é uma figura mais consensual do que se pensa.

Terceiro e último, Cavaco Silva foi eleito para a Presidência porque é visto como «moderador». Não se escolheu um «Presidente de direita», mas sim uma figura que, provavelmente, seria tão cooperante com um governo PSD como o é com um PS. Nem mais, nem menos.

Pois esta última questão alerta-nos para uma discussão importante numa fase em que a democracia parlamentar - e nisto acredito profundamente - está em risco, senão de extinção, pelo menos de uma séria remodelação. Qual é o papel de um Presidente da República num regime semi-presidencialista? Deve ser um poder moderador ou equilibrar o «barco» para o lado contrário do Governo? É eleito para ser de «direita» e «esquerda» ou para permitir que as maiorias relativas ou absolutas governem? É importante pensar nisto.

Ressalvo, no entanto, dois aspectos em relação à escolha de Cavaco Silva. Em primeiro lugar, a sua aparição bastante patética e redutora na televisão, justificando-se. Quando se é Presidente, as pessoas esperam que ele faça escolhas, e foi isso que ele fez. Se ele vai justificar cada decisão culpando factos alheios, mais vale acabar-se com o cargo de Presidente moderador e entrar num sistema de governo americano.

Em segundo lugar, a petição. Uma petição com 90 mil assinaturas, como o Tiago referiu, não deve ser «vergonhosamente deitada no caixote do lixo pelo Parlamento». Cada vez mais, a solução para salvar o Parlamento passa por aproximá-lo das pessoas, e não o contrário, correndo o risco de, através da menorização das questões culturais e de valores, destruir a autoridade do Parlamento para lidar com as questões mais estritamente políticas.

Agora, uma coisa é certa. Essa maior discussão, essa mais paciente argumentação, deve ser feita no Parlamento, com representantes teoricamente eleitos para representar os eleitores. Senão, ao precisarmos de um referendo para toda e qualquer mudança de legislação, está feita a travessia definitiva para o divórcio, não entre duas pessoas do mesmo sexo, mas entre povo e política.

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