23/11/10

O jerricã



Quem nunca ouviu o doce pedido vindo de uma avó, uma mãe ou um tio? «Ó coiso, traz aí a m#$%& do jerricã de áuga (á-u-g-a)!». E nós lá iamos, carregando o gentil depósito de água, pesado que nem cornos, até aos nossos simpáticos progenitores ou restantes parentes, para estes desempenharem a hercúlea tarefa - que os impedia de se mexerem para lado algum - de regar a horta ou encher o reservatório de água do limpa-brisas do carro.

O que nós, crianças ignorantes, não sabemos é que o acto de pedir um jerricã - ou simplesmente de lhe referir o nome - é um «statement» muito tipicamente anglófilo. Mais, é uma verdadeira lição de germanofobia, ao eternizar a velha rivalidade, do contexto de guerra, entre alemães e britânicos. Escusado será dizer que, à boa maneira portuguesa, sugámos alguma da atitude britânica para com os boches.

Jerricã é a expressão menos científica, ou menos certinha, que poderíamos utilizar para descrever uma daquelas «caixas» cheias de água. Na verdade, não é mais do que um aportuguesamento da expressão dos soldados ingleses «Jerry can», que, traduzida à letra, significaria algo como «lata Jerry» ou, mais livremente, «lata boche».

O jerricã, ou «Jerry can», fiquei recentemente a saber, tem a sua origem nos depósitos de água ou gasolina que os alemães criaram algures nos anos 30 e que vieram a ser amplamente usados (e roubados pelos ingleses) na II Guerra Mundial. Supostamente, apesar de todas as suas falhas sobretudo na - afinal de contas, essencial - capacidade de não entornar o seu conteúdo, estes Wehrmachtskanister teriam revolucionado a portabilidade, capacidade e facilidade de arrumação dos depósitos de água e gasolina em campanha. Razão essa que terá levado os adversários do III Reich a aproveitarem os despojos de guerra para pedirem «emprestadas» algumas dessas «Jerry cans».

Portanto, da próxima vez que a avó vos pedir o jerricã de água para lavar os joanetes, não hesitem. Ao carregar um objecto que ajudou a matar a sede a soldados e veículos na II Guerra, é bem possível que estejam, vocês mesmos, a fazer história.

21/11/10

De Sica


Umberto D. (1952), de Vittorio De Sica, uma obra-prima e um dos melhores filmes de sempre. Simultaneamente, encarna o espírito pessimista do blogue, ou não pertencesse ao movimento neo-realista.

20/11/10

100 anos


Cem anos é uma bonita idade.

17/11/10

Trabalho de sofá

16/11/10

Visto



The Extra Man (2010), um belo filme de Shari Springer Berman e Robert Pulcini. Como sempre, com um Kevin Kline brilhante.

12/11/10

A ler

O excelente artigo de Simon Schama, no Guardian, sobre a importância da disciplina de História nas escolas (com argumentos também para as especificidades e excentricidades dos que usam o argumento utilitarista do «para o que é que isto serve?») e o risco, na ausência de conteúdos críticos bons, de as crianças ficarem «permanentemente crianças», para sempre:

«(...) Who is it that needs history the most? Our children, of course: the generations who will either pass on the memory of our disputatious liberty or be not much bovvered about the doings of obscure ancestors, and go back to Facebook for an hour or four. Unless they can be won to history, their imagination will be held hostage in the cage of eternal Now: the flickering instant that's gone as soon as it has arrived. They will thus remain, as Cicero warned, permanent children, for ever innocent of whence they have come and correspondingly unconcerned or, worse, fatalistic about where they might end up. (...)»

Propinas não, emprego não

Em Inglaterra, o povo mais jovem saiu à rua e, pelo meio das pedradas, saiu disparate:

«(...) In Cambridge, students protested at the university's annual science, engineering and technology careers fair against "the marketisation of education".»

08/11/10

Visto


Violência gratuita, em Battle Royale (2000), filme de Kinji Fukasaku.

05/11/10

Porco Dio

Manuel António Pina, no Jornal de Notícias de hoje:

«(...) o primeiro (no caso, o 3.º) dos Mandamentos chegou por fim a esses antros de paganismo que são os estádios da bola, começando justamente pelos italianos, onde quem agora invoque o nome de Deus em vão arrisca, não ainda o Inferno (lá chegaremos) mas, para já, um número incerto de jogos de suspensão.

Aconteceu no domingo a Pozzi, avançado da Sampdoria, que, segundo o seu treinador, "terá dito qualquer coisa 20 minutos após o termo do jogo, num corredor, conversando com um colega e comendo uma sandes de presunto". O que Pozzi terá dito foi "Porco Dio" ("Porco Deus"), não tendo sido possível apurar se pretendeu jurar que o presunto (porco) estava divino ou se a divindade que estava presunto.

Na dúvida foi suspenso. Pois se "Deus não absolverá quem use o seu nome em juramento vão", como poderia a santíssima Federação Italiana de Futebol (que decerto será incluída numa das próximas fornadas de beatificações de Bento XVI) absolver Pozzi? Madail que veja e aprenda.»

03/11/10

O «promessômetro» e o terceiro mandato de Lula



Dizem as más-línguas que Dilma Rousseff é a nova Presidente do Brasil. Não sou tão cínico. Digo, simplesmente, que Dilma ganhou as eleições. E não cedo ao sarcasmo fácil de dizer que agora Dilma vai «governar», sozinha e com total liberdade decisória.

Mas mudemos de assunto. Não felmos de Lula. Concentremo-nos no discurso claro e muito rico de vitória, de Dilma Rousseff. A candidata vencedora não se fez rogada. Se a criatividade já é pouca, ela foi um pouco mais além e teve o ponto baixíssimo ponto de originalidade de dizer que a sua vitória era a vitória não só do «caminho sagrado do voto» - seja qual for a influência divina que ela reconhece no momento de ir ao cubículo pôr a cruzinha (cala-te boca) - mas das mulheres. Num «yes, we can» bastante pobrezinho, Dilma não resistiu a dizer que «sim, a mulher pode!». O povo brasileiro ficou, então, a saber que não votou num político competente, mas que, pelo contrário, participou numa experiência sociológica muito interessante que visava provar a capacidade demagógica de um candidato presidencial que a roleta divina, só por acaso, não dotou de genitais masculinos.

Vejamos, no entanto, o que interessa: o programa eleitoral, se é que lhe podemos chamar isso. Tal como o «promessômetro» da Folha de S. Paulo ajudou a compreender, as promessas eleitorais de Dilma não fazem qualquer sentido, seja pela sua viabilidade, seja pela própria correspondência material das mesmas. Começemos pela primeira perspectiva. Dilma prometeu abrir 6.000 creches no país, fazendo-nos lembrar a mítica promessa de criação de empregos de José Sócrates, e, como bem calcula a Folha, seria preciso inaugurar creches a um ritmo médio de 4 por dia. Para além disso, planeia lançar um programa de bolsas ou vouchers para alunos carenciados frequentarem escolas particulares (boa ideia, mas pesadíssima para um Estado já com funções de Welfare), reformar a saúde sem impostos adicionais, criar um ministério novo (para o Empreendedorismo), «promover a liberdade de imprensa e de religião», proteger os «direitos humanos» e, na melhor de todas as promessas, erradicar a pobreza.

Erradicar a pobreza. Ou seja, Dilma promete um número de magia. Não mais teremos pobres no Brasil. Porquê? Porque a economia criará empregos que cheguem para grande maioria dos brasileiros? Porque os ordenados correrão mais rápido do que a taxa de inflação? Porque o custo de vida baixará? Não. Porque Dilma assim o quer.

É esta a mentalidade infantil de alguém que vence uma presidência. Poucos anos depois de ver George Bush (filho) sair da Casa Branca sob apupos de ignorante, incompetente e de criatura que fez pactos de sangue com Satanás himself, os mesmos europeus aplaudem agora a eleição de alguém que, mais do que provar em toda uma campanha a sua incapacidade para planear um mandato (tem, até, dificuldade em passar de uma ideia geral de felicidade para um conceito mais concreto, como a «erradicação da pobreza» amplamente prova), mostra que não tem, sequer, capacidade para se distanciar do seu padrinho e prometer ser um exemplo.

Ao dizer que «baterá muitas vezes à porta de Lula», Dilma Rousseff pensou que capitalizava um pouco mais a popularidade de Lula e transferia-a para si mesma. Na verdade, o que ela fez foi confirmar, um pouco mais, aquilo que todos sabem: a candidatura de Dilma vendeu-se como um sabonete pelo simples facto de ser mulher. Falta-lhe um cérebro, e falta-lhe independência. E faltam-lhe argumentos contra a ideia de que este é um terceiro mandato presidencial de Lula. Opá... lá acabámos novamente a falar de Lula.