18/06/10

A Deus o que é de Deus, e já agora também o que é de César


N'A Origem das Espécies, Francisco José Viegas tem uma visão interessante de um novo «movimento» que por aí anda. Por vezes subtil, outras vezes com mais garganta, o dito «frentismo católico» (expressão de Viegas) parece estar-se a levantar por aqui e por ali e a fazer uma tal pressão sobre Bagão Félix para este ser o «candidato católico» que, por momentos, me veio à cabeça a imagem de um cão que finca os dentes nas calças do carteiro e já não larga.

Para além de me fazer espécie, obviamente, este regresso da distinção entre «bons católicos» e «maus católicos» (listagem, aliás, à qual sou indiferente visto não estar à espera de camarote no Éden), há algo mais grave, de que já se falou aqui longamente no blog: é a Igreja Católica andar a torcer o nariz ao velho princípio de deixar «a Deus o que é de Deus, e a César o que é de César».

Não tresleiam e confundam as minhas palavras. Não tenho nada contra a Igreja «ter voz» na sociedade. Ter voz, opinião e lobby face aos novos desafios morais da sociedade portuguesa - desde a aceitação das uniões homossexuais à questão da eutanásia que, certamente, aí vêm a seguir - é um direito que a Igreja, na qualidade de instituição e comunidade, tem. Eu diria mais, é um dever moral para com a sua comunidade católica. E, como sabemos muito bem, quando o Cardeal-Patriarca fala, a solenidade da comunicação é pouco menos importante que a das comunicações do Presidente da República. Com interesse ou não, o que importa é que as pessoas ainda ouvem. Já dei por mim a gastar o meu valioso tempo em jogos de futebol com bastante menos interesse.

Agora, algo inteiramente diferente é tentar «chamar as tropas à guerra» de uma forma mais efectiva. Ou seja, se um Papa discorda com a guerra, a solução seria intervir moralmente na crítica ao conflito, mediando a diplomacia, tentado fazer acordos e condenando a violência (eu sei que não serve de nada, eu sei...), e não, como D. José Policarpo parece agora pensar, formar o seu próprio exército e participar na refrega. Como nota Francisco José Viegas, o entusiasmo em redor da visita de Bento XVI parece ter acordado a costela interventiva da Igreja em Portugal, que agora se viu, juntamente com o tal «frentismo católico», «com água na boca e o desejo de transformar em força eleitoral o que era uma "demonstração de fé" (...)».

Eu, que sou pouco desta coisa de bater no ceguinho que já é a Igreja Católica - e os católicos - em Portugal, já começo a partilhar de alguma desconfiança, real, face à nova atitude da «Igreja que se quer fazer partido». Não vou pela via dos que acham que há uma conspiração da «direita católica». Não chego a tanto. Mas já começo a questionar a tradicional bonomia dos católicos portugueses pós-25 de Abril. É que D. José Policarpo, que eu julgava sábio e experiente, parece andar esquecido de um facto histórico importante: em Portugal ainda há muitas feridas por sarar no que toca a candidatos saídos de centros académicos de democracia cristã.

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