E um dia toda a gente acordou. Aparentemente para descobrir que o Estado esbanja dinheiro como se não houvesse amanhã. Não sei a quem é que isto espanta. A história não é nova. De facto, esta história nunca foi nova.
Portugal sempre se habituou a gastar o que não tinha e a ambicionar aquilo para o qual não tinha dinheiro. O TGV e o novo aeroporto de Lisboa são apenas os últimos e mais dramáticos exemplos. Na verdade, para o Estado português, e para os portugueses em geral, o amanhã nunca passou de uma ideia mítica sem grande consistência. O presente sempre foi tudo. O amanhã algo para cuja existência era necessária prova.
Felizmente isso acabou. O combate ao desperdício começa hoje. Aliás, nos ministérios, a água para as visitas já é do cano, as lâmpadas são económicas e o papel reciclado uma prática corrente, entre outras medidas de austeridade que não deixam ninguém indiferente. A patetice de tudo isto devia ser óbvia. Infelizmente não é.
Na oposição, até o PSD entrou na brincadeira por intermédio do seu presidente. Que propõem a mente brilhante e salvítica de Passos Coelho? Nada mais nada menos que uma redução de 5% nos salários dos políticos, gestores públicos e presidentes das várias entidades reguladores, como «medida simbólica» da iminente salvação da pátria – sendo, aqui, «simbólica» a palavra-chave. Sócrates, por entre o aumento dos impostos, percebeu que a medida não lhe aquecia nem arrefecia. Concordou. Afinal era necessário dar um gelado ao menino.
Tudo isto, no entanto, não faz esquecer o ponto principal. E o ponto principal é o de que a grande fatia das despesas do Estado prendem-se com o pagamento do pessoal e das prestações sociais. Vencimentos, apoios, subsídios, reformas e juros. Contas por alto, a coisa corresponde a cerca de 90% das despesas anuais do Estado. O resto, como diz, e bem, Miguel Beleza, «são alfinetes». O que equivale a dizer que não reduzir estas despesas é, pura e simplesmente, não reduzir a despesa.
Por isso mesmo a fé não é grande. Medina Carreira, aliás, já está por tudo e defende mesmo a vinda do FMI para pôr ordem na casa. A medida, de facto, é dramática, e provavelmente necessária. No entanto, suspeito que convencer o FMI a vir cá seja uma outra tarefa complicada. Fartos de países falidos devem estar eles.
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