02/06/10

Clint Eastwood e a coragem de ser meloso


Finalmente, e quase por condescendência ao meu amigo Clint Eastwood, lá vi Invictus, o último filme do mestre. Nada de novo a Oeste. Ou, neste caso, a Sul. Não é tão mau como poderia ser, mas também não é melhor do que eu esperava.

A verdade é esta: é um filme sobre Nelson Mandela. Goste-se ou não do homem, Mandela é uma figura quase consensual. A não ser que sejamos Afrikaners ressabiados, há sempre uma reserva de empatia para com o histórico (direi mítico?) chefe de Estado sul-africano. E com outra figura consensual de Hollywood como Morgan Freeman, o resultado é até demasiado previsível. Um protagonista magnetizante e demasiadamente bom, quase como se viesse de um qualquer plano celeste para a Terra. E isso, à partida, não é bom para um filme.

Mas, como eu dizia, é um biopic, e os biopics nunca foram o meu género favorito. Salvo as limitações decorrentes do próprio género, há outros elementos que merecem atenção.

O tempo do filme passa-se sensivelmente entre 1994 e 1995, com uns flashbacks para o dia em que Mandela foi libertado (1990) ou, por exemplo, para o tempo em que estava preso e lia um poema de William Ernest Henley, que dá título ao filme, para se lembrar de resistir, de sobreviver. Mas a acção centra-se sobretudo nos esforços de Mandela para unir a nação, para construir a «nova» África do Sul sobre a anterior, sem destruir as bases e os elementos que deram identidade ao regime do Apartheid, sob pena de alienar os brancos, a minoria que ainda detém o poder de deixar ou não que o novo regime tenha futuro. Um desses elementos que Mandela tentará manter de pé é, precisamente, a selecção de rugby.
De forma simplista, tal como é subrepticiamente sugerido em Invictus, na África do Sul o rugby é o desporto dos brancos e o futebol é o desporto dos pretos. Ou, como diz algures um segurança branco da equipa de guarda-costas do presidente: «o rugby é um desporto de hooligans jogado por cavalheiros, enquanto que o futebol é um desporto de cavalheiros jogado por hooligans». E a fractura no seio do país continua, mesmo depois do fim do Apartheid. Desta vez no desporto.

Para isso, Mandela (Morgan Freeman) vai estreitar os laços com o capitão da selecção François Pienaar (Matt Damon), para ajudar a selecção não só a ganhar a Taça do Mundo de 1995 mas a criar um consenso, uma união, uma identidade nacional em redor de uma equipa que há pouco tempo tinha significado a dominação branca sobre os negros no país. Embora tenha resultados surpreendentes na acção em si, a acção de Mandela evolui, de forma pachorrenta, para um «feel good movie» que não vicia nem deixa uma trama qualquer no ar, se excluirmos a mera representação de Morgan Freeman.

Há Clint Eastwood em Invictus, sim. Mas pouco. A relação complicada de Mandela com a mulher e as filhas («Ele não é um santo», diz um dos seguranças mais fiéis), ao som do característico piano dos filmes de Clint, e quase sempre som música escrita e interpretado pelo próprio realizador, dá espaço para as maiores «cenas Eastwood» deste filme. As figuras que emergem das sombras, sobretudo nos túneis de acesso ao estádio (sempre quis usar esta expressão numa crítica a um filme). Os jogos de luz e sombra no gabinete do presidente Mandela. O amor e dedicação a uma figura que, nitidamente, inspira simpatia a Clint Eastwood.

Isto é Eastwood, certamente. Mas um Eastwood menos clássico e mais altruísta. Um filme simpático mas que pode servir como comprimido para dormir para quem anda com insónias. Foi uma prenda, uma homenagem a Nelson Mandela, à África do Sul e até ao rugby, mas ficou a faltar o Clint Eastwood que nos habituou a vê-lo como o último dos grandes realizadores «clássicos» e classicistas de Hollywood. Fico à espera de mais. E, já agora, de bastante melhor.

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