13/12/10
03/12/10
Arrumem-se os foguetes
O sorteio do Mundial de 2018 já foi, assim como o de 2022, pelo que me dizem. O primeiro será na Rússia, o segundo no Qatar. E pronto, já está. Depois de horas e horas perdidas em prognósticos, discursos de optimismo, hipóteses e ocos elogios à nossa «paixão pelo futebol», eis que a contagem decrescente aumenta de intensidade enquanto bebo um café de manhã - «Dentro de aproximadamente trinta minutos, a candidatura portuguesa entrará em palco» ou «a decisão será tomada às dez e treze minutos da manhã» são apenas algumas pérolas - e o apocalipse aproxima-se. De repente, já se sabe: a Rússia ganha. Arrumam-se os foguetes, metem-se as cervejas de volta no gelo, os repórteres partem em busca de nova promessa de euforia ou de nova tragédia que ajude a puxar a lágrima portuguesa.
Foi assim com a cimeira da NATO, foi assim com a escolha do palco para o Mundial de Futebol de 2018, sempre assim será com os portugueses. O que, se formos ver com atenção e justiça, até é, passe a redundância, injusto. Porque, como bem ficou provado no aparato destes dois eventos, não há na Europa povo que melhor saiba rodear de festa e pompa acontecimentos que, honestamente, nos trazem isto de futuro: zero.
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3.12.10
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23/11/10
O jerricã
Quem nunca ouviu o doce pedido vindo de uma avó, uma mãe ou um tio? «Ó coiso, traz aí a m#$%& do jerricã de áuga (á-u-g-a)!». E nós lá iamos, carregando o gentil depósito de água, pesado que nem cornos, até aos nossos simpáticos progenitores ou restantes parentes, para estes desempenharem a hercúlea tarefa - que os impedia de se mexerem para lado algum - de regar a horta ou encher o reservatório de água do limpa-brisas do carro.
O que nós, crianças ignorantes, não sabemos é que o acto de pedir um jerricã - ou simplesmente de lhe referir o nome - é um «statement» muito tipicamente anglófilo. Mais, é uma verdadeira lição de germanofobia, ao eternizar a velha rivalidade, do contexto de guerra, entre alemães e britânicos. Escusado será dizer que, à boa maneira portuguesa, sugámos alguma da atitude britânica para com os boches.
Jerricã é a expressão menos científica, ou menos certinha, que poderíamos utilizar para descrever uma daquelas «caixas» cheias de água. Na verdade, não é mais do que um aportuguesamento da expressão dos soldados ingleses «Jerry can», que, traduzida à letra, significaria algo como «lata Jerry» ou, mais livremente, «lata boche».
O jerricã, ou «Jerry can», fiquei recentemente a saber, tem a sua origem nos depósitos de água ou gasolina que os alemães criaram algures nos anos 30 e que vieram a ser amplamente usados (e roubados pelos ingleses) na II Guerra Mundial. Supostamente, apesar de todas as suas falhas sobretudo na - afinal de contas, essencial - capacidade de não entornar o seu conteúdo, estes Wehrmachtskanister teriam revolucionado a portabilidade, capacidade e facilidade de arrumação dos depósitos de água e gasolina em campanha. Razão essa que terá levado os adversários do III Reich a aproveitarem os despojos de guerra para pedirem «emprestadas» algumas dessas «Jerry cans».
Portanto, da próxima vez que a avó vos pedir o jerricã de água para lavar os joanetes, não hesitem. Ao carregar um objecto que ajudou a matar a sede a soldados e veículos na II Guerra, é bem possível que estejam, vocês mesmos, a fazer história.
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23.11.10
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21/11/10
De Sica
Umberto D. (1952), de Vittorio De Sica, uma obra-prima e um dos melhores filmes de sempre. Simultaneamente, encarna o espírito pessimista do blogue, ou não pertencesse ao movimento neo-realista.
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21.11.10
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20/11/10
17/11/10
16/11/10
Visto
The Extra Man (2010), um belo filme de Shari Springer Berman e Robert Pulcini. Como sempre, com um Kevin Kline brilhante.
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16.11.10
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12/11/10
A ler
O excelente artigo de Simon Schama, no Guardian, sobre a importância da disciplina de História nas escolas (com argumentos também para as especificidades e excentricidades dos que usam o argumento utilitarista do «para o que é que isto serve?») e o risco, na ausência de conteúdos críticos bons, de as crianças ficarem «permanentemente crianças», para sempre:
«(...) Who is it that needs history the most? Our children, of course: the generations who will either pass on the memory of our disputatious liberty or be not much bovvered about the doings of obscure ancestors, and go back to Facebook for an hour or four. Unless they can be won to history, their imagination will be held hostage in the cage of eternal Now: the flickering instant that's gone as soon as it has arrived. They will thus remain, as Cicero warned, permanent children, for ever innocent of whence they have come and correspondingly unconcerned or, worse, fatalistic about where they might end up. (...)»
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12.11.10
Propinas não, emprego não
«(...) In Cambridge, students protested at the university's annual science, engineering and technology careers fair against "the marketisation of education".»
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12.11.10
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08/11/10
05/11/10
Porco Dio
Manuel António Pina, no Jornal de Notícias de hoje:
«(...) o primeiro (no caso, o 3.º) dos Mandamentos chegou por fim a esses antros de paganismo que são os estádios da bola, começando justamente pelos italianos, onde quem agora invoque o nome de Deus em vão arrisca, não ainda o Inferno (lá chegaremos) mas, para já, um número incerto de jogos de suspensão.
Aconteceu no domingo a Pozzi, avançado da Sampdoria, que, segundo o seu treinador, "terá dito qualquer coisa 20 minutos após o termo do jogo, num corredor, conversando com um colega e comendo uma sandes de presunto". O que Pozzi terá dito foi "Porco Dio" ("Porco Deus"), não tendo sido possível apurar se pretendeu jurar que o presunto (porco) estava divino ou se a divindade que estava presunto.
Na dúvida foi suspenso. Pois se "Deus não absolverá quem use o seu nome em juramento vão", como poderia a santíssima Federação Italiana de Futebol (que decerto será incluída numa das próximas fornadas de beatificações de Bento XVI) absolver Pozzi? Madail que veja e aprenda.»
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5.11.10
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03/11/10
O «promessômetro» e o terceiro mandato de Lula
Dizem as más-línguas que Dilma Rousseff é a nova Presidente do Brasil. Não sou tão cínico. Digo, simplesmente, que Dilma ganhou as eleições. E não cedo ao sarcasmo fácil de dizer que agora Dilma vai «governar», sozinha e com total liberdade decisória.
Mas mudemos de assunto. Não felmos de Lula. Concentremo-nos no discurso claro e muito rico de vitória, de Dilma Rousseff. A candidata vencedora não se fez rogada. Se a criatividade já é pouca, ela foi um pouco mais além e teve o ponto baixíssimo ponto de originalidade de dizer que a sua vitória era a vitória não só do «caminho sagrado do voto» - seja qual for a influência divina que ela reconhece no momento de ir ao cubículo pôr a cruzinha (cala-te boca) - mas das mulheres. Num «yes, we can» bastante pobrezinho, Dilma não resistiu a dizer que «sim, a mulher pode!». O povo brasileiro ficou, então, a saber que não votou num político competente, mas que, pelo contrário, participou numa experiência sociológica muito interessante que visava provar a capacidade demagógica de um candidato presidencial que a roleta divina, só por acaso, não dotou de genitais masculinos.
Vejamos, no entanto, o que interessa: o programa eleitoral, se é que lhe podemos chamar isso. Tal como o «promessômetro» da Folha de S. Paulo ajudou a compreender, as promessas eleitorais de Dilma não fazem qualquer sentido, seja pela sua viabilidade, seja pela própria correspondência material das mesmas. Começemos pela primeira perspectiva. Dilma prometeu abrir 6.000 creches no país, fazendo-nos lembrar a mítica promessa de criação de empregos de José Sócrates, e, como bem calcula a Folha, seria preciso inaugurar creches a um ritmo médio de 4 por dia. Para além disso, planeia lançar um programa de bolsas ou vouchers para alunos carenciados frequentarem escolas particulares (boa ideia, mas pesadíssima para um Estado já com funções de Welfare), reformar a saúde sem impostos adicionais, criar um ministério novo (para o Empreendedorismo), «promover a liberdade de imprensa e de religião», proteger os «direitos humanos» e, na melhor de todas as promessas, erradicar a pobreza.
Erradicar a pobreza. Ou seja, Dilma promete um número de magia. Não mais teremos pobres no Brasil. Porquê? Porque a economia criará empregos que cheguem para grande maioria dos brasileiros? Porque os ordenados correrão mais rápido do que a taxa de inflação? Porque o custo de vida baixará? Não. Porque Dilma assim o quer.
É esta a mentalidade infantil de alguém que vence uma presidência. Poucos anos depois de ver George Bush (filho) sair da Casa Branca sob apupos de ignorante, incompetente e de criatura que fez pactos de sangue com Satanás himself, os mesmos europeus aplaudem agora a eleição de alguém que, mais do que provar em toda uma campanha a sua incapacidade para planear um mandato (tem, até, dificuldade em passar de uma ideia geral de felicidade para um conceito mais concreto, como a «erradicação da pobreza» amplamente prova), mostra que não tem, sequer, capacidade para se distanciar do seu padrinho e prometer ser um exemplo.
Ao dizer que «baterá muitas vezes à porta de Lula», Dilma Rousseff pensou que capitalizava um pouco mais a popularidade de Lula e transferia-a para si mesma. Na verdade, o que ela fez foi confirmar, um pouco mais, aquilo que todos sabem: a candidatura de Dilma vendeu-se como um sabonete pelo simples facto de ser mulher. Falta-lhe um cérebro, e falta-lhe independência. E faltam-lhe argumentos contra a ideia de que este é um terceiro mandato presidencial de Lula. Opá... lá acabámos novamente a falar de Lula.
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3.11.10
28/10/10
Guarda-costas
Uma boa parte das minhas leituras de viagem têm estado viradas para Comte, Schmitt, ensaios sobre nazismo e, recentemente, um ensaio de Miguel Morgado sobre a «autoridade». Escusado será dizer que, para minha satisfação pessoal, todos hesitam em sentar-se ao meu lado no comboio.
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28.10.10
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O Rolão Preto brasileiro
Feel good moment da semana: ouvir alguém dizer que a eleição de Tiririca significa a «ultra-direita» no Parlamento brasileiro.
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28.10.10
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25/10/10
22/10/10
Trabalho de sofá
The Unusuals, série de 2009 que se ficou pela primeira temporada. Dá para rir um pouco mas, até agora, do que vi, tem desiludido, sobretudo por ter o irritante Jeremy Renner.
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22.10.10
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O fardo de ser francês
Tenho de admitir que, perante as greves gerais que a França tem «aguentado» nos últimos dias, guardo alguma simpatia no coração para com aquela malta. No coração ou no cérebro. Ou noutro sítio, que o Dr. António Damásio saberá melhor do que eu. O que interessa é que, estando num espectro ideológico muito diferente daquele em que a quase totalidade dos grevistas franceses se situarão, não posso deixar de pecar por alguma satisfação em ver a França a arder. Não pelas jovens parisienses, pela arte, pelo Truffaut ou pelas excelentes baguettes. Mas tenho de admitir que Nicolas Sarkozy e uma miríade de outros franceses me fazem pensar: you had it coming.
Aliás, este é um problema que os franceses terão de resolver, porque foram eles próprios que o criaram. A Carta de Amiens, de 1906, «cozinhada» e adoptada pela gigantesca CGT francesa - provavelmente o sindicato mais simbólico da Europa - lançou as bases daquela que viria a ser a orientação estratégica mais importante do sindicalismo revolucionário, a greve geral, muito em voga na Europa do Sul do início do século, incluindo em Portugal - onde, ainda assim, a via mais branda da negociação ainda tinha alguma adesão sindical. Trabalhadores sindicalizados italianos, espanhóis, portugueses, mas também alemães, húngaros e até suecos abraçaram, assim, a «acção directa» anarquista para lidar com o poder, com o «capital». De qualquer forma, a culpa não é deles. Apenas copiaram o modelo francês. Os franceses é que, com toda uma história de criar a confusão no próprio país, fizeram a cama em que agora se deitam.
Resta saber, no entanto, o que têm jovens magrebinos, africanos e anarquistas de mochila e lenço na cara a ver com o problema da idade da reforma dos trabalhadores franceses. Como tenho muitas dúvidas que seja solidariedade operária ou, mais improvável ainda, resposta por serem directamente afectados, apenas uma certeza me fica: é uma triste sina nascer francês.
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22.10.10
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21/10/10
Work in progress
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21.10.10
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A falácia da «responsabilidade política»
Se há coisa pior do que dirigir-me ao meu cubículo eleitoral em Janeiro e ver opções como Fernando Nobre, José Pinto Coelho ou Manuel Alegre tão acessíveis ao voto dos cândidos e dos loucos, é mesmo ver o tango que Passos Coelho e José Sócrates têm andado a dançar nos últimos meses. Sem grande responsabilidades para Passos Coelho enquanto líder do PSD, claro. Tirando o facto de não compreender que a melhor maneira de enfrentar - do ponto de vista partidário - um governo em queda é, simplesmente, ficar calado e não se deixar «contaminar», não se pode dizer que o líder do PSD já tenha destruído o partido, ao contrário do que muitos, incluindo eu, esperariam.
Não, o problema de Passos Coelho é outro completamente diferente. O problema dele, e cujas responsabilidades só a ele cabem, é continuar a pactuar com um governo que já tem caixão mas ao qual apenas falta uma data certa para cair. É prolongar durante meses a negociação de um Orçamento de Estado que está condicionado por todos os lados, quer pela herança que o PS quer deixar, quer pela preparação do terreno para as próximas eleições.
Inevitavelmente, enquanto «cara» da oposição ao governo, os Passos Coelho determinam o ritmo de toda a política nacional, e associar-se a um Orçamento que mais não fará do que incluir o PSD na responsabilidade da devastação económica de Portugal acaba por ser, ao contrário do que toda a gente pensa, mais um acto irresponsável do que de «responsabilidade política»: primeiro, o PS poderá dizer, daqui a poucos anos ou, até, meses, que as contas públicas continuam mal mas que o PSD não pode dizer que não compactuou com o plano orçamental; segundo, dá um balão de oxigénio a um governo caído em descrédito; e terceiro, o mais grave de tudo, prolonga o sofrimento do país, que, ainda que não tenha alternativas muito melhores, já está preparado para escolher pessoas e ideias diferentes para os próximos anos.
Resta saber se, com a estratégia da «responsabilidade política» - apenas virtual num país que sabe funcionar sem directivas, dependências e lutas partidárias -, o tiro não sai pela culatra a Passos Coelho.
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21.10.10
15/10/10
07/10/10
Oh!... a moral!
Num artigo do suplemento Expresso Emprego, a moral é remetida para segundo lugar e passa-se a tratar os bois pelos nomes. O título diz tudo: «Aprenda a vender-se!». De facto, em tempos difíceis, é óptimo seguir os conselhos da elite política. É a isto que se chama moralidade «de cima para baixo», o que, por sua vez, é uma óptima homenagem aos «ideais republicanos».
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7.10.10
06/10/10
Animal político
Se um dia alguém lhe perguntar o que é a política no Brasil, responda: Tiririca foi o deputado mais votado do Brasil, com 1,35 milhões de votos. I rest my case.
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6.10.10
Os ideais da República
Melhor do que apanhar uma estopada de pedagogia maçónica nos últimos dias - com António Reis e outros que tais a explicarem-me, através da caixa mágica, porque é que a República é espantosamente mais democrática e humanista do que Monarquia -, foi ver o aproveitamento político que foi feito, na actualidade, dos acontecimentos do passado.
Mesmo com a ressalva de que a República foi, em tudo, um falhanço, excepto no parcial sucesso de implantação de um novo regime (que não se conseguiu implantar nas «almas» mas fez ruir muito do estado de espírito anterior), não deixa de ser triste ouvir pessoas com altos cargos públicos em Portugal, como Helena André, ministra do Trabalho, a dizer que as recentes «medidas [de «austeridade»], que são duras e pedem sacrifícios a praticamente todos os portugueses, são absolutamente fundamentais para podermos prosseguir os ideais da República».
Não sendo homem de pedir muito, ao menos faço um apelo: alguém dê uma lição de História a esta senhora, sobretudo em relação à diferença entre «os ideais da República» e aquele que eles efectivamente deram a este país. Se vier aí outro 1910, então, acreditem mesmo nisto: não há PEC que nos salve.
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6.10.10
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29/09/10
Mili Vanilli
Sempre achei David Miliband o tipo mais perigoso da pandilha do Labour - ou «New Labour», para os optimistas à esquerda, que esperam melhores dias. Mais perigoso porque combinava um pacote ideológico bem fofo - do progressismo obsoleto à histeria climática, passando pela natural tendência para centralizar e burocratizar a sociedade - com uma atitude de «delfim», ou seja, de um vencedor maquiavélico em quem, a não ser que se seja cego, todos viam o natural sucessor da era Blair/Brown.
Mas o que me choca, nestas semanas recentes, é que, fruto da minha ignorância e pouca atenção dedicada à ontogénese dos trabalhistas, só agora fiquei a saber que, para meu enorme regozijo, não tenho apenas um Miliband para detestar, mas dois. Dois Miliband. Um David e um Ed. Que sorte grande para o Reino Unido, com duas personagens daquele calibre.
Resta saber se o irmão Ed se aproxima ideologicamente ainda mais do pai de ambos, um antigo teórico marxista. Se o fizer, e tendo em conta o que já se sabe de David Miliband, Cameron tem uma verdadeira cruzada nos próximos anos. Uma guerra justa do «Bem» contra o «Mal», Conservadores contra Trabalhistas. Um antagonismo que, quero eu pensar, qualquer pessoa sã também reconhecerá.
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29.9.10
28/09/10
24/09/10
Como perder a liberdade em 15 cliques de rato
Anda agora, para aí, uma grande celeuma com os «perigos da internet». Essa histeria já vinha de muito antes, é claro, provavelmente até desde a primeira vez que alguém teve a ideia de criar uma qualquer rede que permitisse contacto rápido entre pessoas sem necessidade da presença física de cada uma delas. E piorou, certamente, quando virtualmente toda a gente - sem barreiras de idade - começou a poder aceder a ela. Mas desta vez a discussão bateu, provavelmente, no ponto limite.
Da monitorização da actividade alheia e do «controlo parental» (uma forma assustadora de dizer aos próprios filhos que os consideramos atrasados mentais) - assente numa falsa crença de que há um controlo ideal da vida da nossa prole e que desse controlo resulta um ser capaz de decidir sempre racional e razoavelmente - passou-se para um estado de alerta face à pirataria, aos vírus e, de uma forma que tem mais de hipotético do que de real, à «ameaça terrorista» da internet.
É certo que o terrorismo adapta-se a todos os meios possíveis para agir. Mais até do que os meios, o terrorismo foca-se em todas as vulnerabilidades do seu inimigo: no caso, será a «sociedade ocidental» ou o «mundo moderno e desenvolvido». E não há maior vulnerabilidade do que as grandes fontes das quais enormes fatias da sociedade dependem: petróleo, água, electricidade... internet.
Mas de uma posição de desconfiança e prevenção, passou-se a um estado de completa absorção da liberdade de acção pela «monitorização», pelo «policiamento» da web. Ou seja, é, como sempre, a ideia de que se algo é usado muito intensamente, tem de ser filtrado 24 horas por dia por uma qualquer autoridade governamental sem cara e, muitas vezes, sem nome. Dos anti-vírus no computador passamos, quase sem querer, a ter de assinar, de forma não voluntária, um contrato vitalício com autoridades que sabem o que é melhor para nós e que, mais grave ainda, acham que sabem quando cada indivíduo não está a cumprir o seu papel de bom cidadão enquanto navega na internet. Como sempre, em poucos anos, passou-se da ideia nova e livre para a absorção pelos grandes grupos empresariais (que passaram a depender da web para funcionar), e destes para a absorção pelos governos (que passam a policiar a net por nós, free of charge).
Tal como aconteceu nos aeroportos, a ameça veio, ainda que real, e a segurança deu uma resposta agressiva, blindando virtualmente os transportes aéreos a qualquer ataque terrorista. O mesmo aconteceu agora na internet. Mas, tal como nos aviões, a ameaça desaparece, enquanto a «resposta agressiva», essa, tão cedo não desaparecerá.
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24.9.10
13/09/10
Um velhote num café
Este histerismo em redor de um pastor anónimo - que agora, por milagre, deixou de ser anónimo -, chamado Terry Jones, que quer queimar o Corão faz-me lembrar uma história.
Uma vez conheci um velhote, num café de Lisboa, que me resgatou da leitura auto-impingida de tratados nucleares de filosofia política. De Oakeshott, Marx ou qualquer outro dinossauro da arte de dissecar as falácias de ideologias alheias, passei para outro seminário. Sem intervalo. Nem chichi nem café. Nada. Apenas uma profunda inspiração de ar e um salto valente para a justamente esperada (e merecida) estocada de tédio.
O senhor, então, discorreu sobre um pouco de tudo: o 25 de Abril; a (então fresca) saída de Durão Barroso para a Comissão Europeia; a guerra colonial; a África perdida; os pretos; a África mal-tratada pelos brancos; a África que, afinal era isto que pensava, apesar de tudo estava melhor sob domínio europeu; o desemprego; os impostos; o ataque cardíaco que o senhor sofreu há poucos anos; o colestrol alto; o que eu tinha no prato; o que estava a beber; o alto teor calórico dos hamburgers; «esta malta nova»; a sua «gente mais velha»; etc.; etc.; etc.. Em suma, perdi uma tarde e roguei pragas a todo o mundo. E com razão. Não serviu para nada. Não aprendi nada. Não fiz do mundo um lugar melhor para viver.
Com as horas, no entanto - depois de sair do café -, fui percebendo que, no fundo, a culpa daquela seca monumental era inteiramente minha. A responsabilidade de dar atenção a um velhote simpático era exclusivamente do vosso bloguista e, mais importante, a vontade de passar por aquela seca também foi minha. O aborrecimento masoquista de ler tratados filosóficos de 600 páginas obrigou-me a procurar um contacto humano incipiente e sem qualquer objectivo. Algo que me distraísse, no fundo, das obrigações. Do tédio. Um mar de tédio por um rio de tédio. Um reino por um cavalo. Um livro por uma pessoa. A rotina por uma rotina alheia, diferente.
O que é que isto tem a ver com Terry Jones e a reputada queima do Corão? Nada. Mas, vendo bem, o que é que o pastor e a sua ideia banal tem a ver com a «luta de civilizações»? Também nada. É um tipo lúcido, mas com graves défices de atenção. Um não-tão-jovem pastor evangélico que, um dia, se sentiu demasiado grande para uma pequena cidade do interior. Precisou de atenção mediática para o seu número de circo. O mundo, aborrecido com a crise mas com os nervos à flor da pele pela aproximação da data fatídica do 11 de Setembro, fez-lhe a vontade.
Resta saber se, em caso de não ter havido extrapolação pela comunicação social, a ideia de Terry Jones (não o dos Monty Python) teria sido mais do que uma memória gira de um velhote num qualquer diner na América profunda a procurar atenção e um ouvido atento para as suas deambulações. «Sabe que um dia quis enfrentar todo o Islão, sozinho e com meia dúzia de fiéis?». Agora, com rios de tinta e de dinheiro gastos em torno de um grande nada, nunca saberemos.
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13.9.10
12/09/10
Sonic the Hedgehog, a conservative hero
O João prefere o Super Mario ao Sonic the Hedgehog. Uma razão simples o anima: o ódio ao burguês. Como ele diz, o Mario, é uma figura «humilde», da «classe operária» e, claro, «trabalhador[a]» – corrijo, «muito trabalhador[a]»; o Sonic, por outro lado, não passa de um «convencido» e «vaidoso» que luta contra inimigos «iguais a ele mesmo» assim como – suprema ofensa! – contra «gordos» (que o inimigo maior de Mario seja uma tartaruga anafada com um fetiche estranho por uma princesa, parece, não o impressiona).
É claro que isto é ver pouco. É ver nada. Como, aliás, na ideologia estreita se é pródigo. Porque só existem dois mundos: o da «humildade» e o da «vaidade». O primeiro assenta num desejo desinteressado, o segundo, calculo, numa velhaquice interesseira. Mario faz parte do primeiro; Sonic, claro, do segundo.
A análise não passa no teste. No teste? No teste. E o teste é simples. Ignore-se o larvar ódio ao burguês e faça-se o esforço de ver as coisas como são. Primeiro, não existe tal coisa como desejo desinteressado. Segundo, mesmo que existisse, salvar uma princesa para acalentar a luxúria não é exactamente o melhor exemplo de tão nobres sentimentos. Porque Mario não procura a «vida simples» de uma «classe trabalhadora». Procura, isso sim, a ascensão social por via do casamento. Para Mario, ser herói tem uma função primária: salvar a rapariga (que, por acaso, por mero acaso, é uma princesa), para que assim ele próprio se possa salvar da sua própria condição «trabalhadora». Mario, um «conservador»? Duvidoso, duvidoso.
Sonic é diferente. Porque Sonic é honesto. O sonho do ouriço? Recostar-se numa árvore e observar os dias a passarem. Sem pretensões. Sem ambições. Sem preocupações. Mas com atitude. Com orgulho. Com vaidade. Infelizmente, sonho simples é sonho impossível, e logo surgem um conjunto de inimigos (com dr. Eggman à cabeça) que visam escravizar as criaturas livres do bosque. Por isso Sonic luta. Mas luta com um objectivo simples: que o deixem em paz, de modo viver a vida como ele muito bem ambiciona: num perpétuo ócio de quem nada exige nem nada deve.
Mas num ponto o João tem razão. Sonic batalha, não raras vezes, contra inimigos «semelhantes» a ele. E porquê? Porque é essa a suprema metáfora do seu heroísmo. Porque, na verdade, não há maior inimigo que nós mesmos. E sairmos vitoriosos perante essa realidade implica obrigatoriamente que nos superemos, ainda que imaginemos que tal não é possível. Ou, exactamente porque imaginamos que tal não é possível. Afinal Sonic é humano. Talvez até demasiado humano.
Como Burke uma vez afirmou, para que o mal prevaleça basta que bons homens nada façam. Uma luta desinteressada? Nem lá perto. Sonic luta pelos outros porque sabe que, no fundo, a luta deles é a sua luta. Porque, no fundo, ele compreende que a luta pela liberdade de um é a luta pela liberdade de todos. E o herói «conservador», afinal, nunca foi outro.
at
12.9.10
10/09/10
09/09/10
Super Mario, working class hero
Grassa a ignorância na juventude portuguesa. Sobretudo naquela que já não é juventude coisa nenhuma, ou seja, os nascidos na aurora dos anos 80. Nasceram no meio das lantejoulas, das calças justas de cabedal, dos cabelos aparados com a mesma excentricidade que se aplica às sebes do Palácio de Versailles, do Vanilla Ice, dos yuppies que aceleravam avenida fora nos seus carros descapotáveis. Ou seja, tinham os piores valores do mundo: velocidade, pseudo-estilo, cabelos ridículos, e má escolha de roupa (quando a havia).
E é essa massa ignara que cresceu a admirar... o Sonic, the Hedgehog. Sobretudo, preferindo-o ao Super Mario. Sonic é um bicho convencido, vaidoso, com cabelo e velocímetro descontrolados tal como qualquer yuppie dos anos 80. Luta contra os gordos e sofre do pecado da hubris, crente na sua capacidade para vencer tudo e todos que se cruzem à sua frente. Não será por acaso que os seus maiores inimigos sejam, na verdade, iguais a ele mesmo.
Agora vejamos o Super Mario. Italiano humilde e da classe operária, Mario é um tipo de meio idade patusco e anafado, bonacheirão e descuidado com o seu aspecto. Mas trabalhador. Muito trabalhador. Tanto que nunca tem tempo de chegar a casa e mudar de roupa, partindo assim para a aventura de forma frugal, com a roupa que traz no corpo do local de trabalho. O bigode é farto e desinteressado, com ar de não ver uma tesoura há várias semanas. A sua missão na vida? Arranjar canos e sanitas. Sem vaidade. E fá-lo sem pedir honras, sem medo de lhe caírem «os parentes na lama». Os seus aliados? Outro canalizador, seu irmão. Não há mais aliados. Não tem exército, para além de um dinossauro (que, para ser franco, não sei de onde saiu).
E, desinteressadamente, sem vontade de salvar o mundo, parte para aventuras que lhe podem custar a vida. O objectivo? Salvar uma princesa, que, não por acaso, é objecto do seu amor.
Haverá algo mais profundo, desinteressado e conservador do que isto? Penso que não. Super Mario é uma ode à humildade e, simultaneamente, à nostalgia da vida simples. E quem se perde de amores por bichos azuis, que fazem do show off o seu objectivo de vida, nunca poderá perceber isto. Nem porque é que um jogo tão simplório como o Super Mario Bros pode ser tão viciante.
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9.9.10
Como vestir uma camisola
Marcelo Rebelo de Sousa, a mais adorada banalidade da pátria, foi, na semana que passou, à Universidade de Verão do PSD instruir uma juventude triste e sem imaginação acerca dos méritos da social-democracia. Não duvido que a palestra, que, como é hábito do professor, não deverá ter excedido um conjunto de lugares comuns, tenha impressionado os alunos, a crème de la crème jovem do partido.
Admito que, a mim, pelo menos, impressionou. E em especial impressionou os argumentos levantados pelo professor sobre a necessidade de eleger um social-democrata para Belém. Afinal, e como bem afirma Rebelo de Sousa, ou se acredita na social-democracia ou não se acredita. Se sim, então, faz todo o sentido que se coloque um da mesma tropa lá no sítio. E isto, claro, quer se «goste muito ou pouco» da figura, quer se «goste muito ou pouco» do estilo, do sorriso ou, no fundo, calculo, das ideias. O candidato é Cavaco? Por sorte. Aparentemente até podia ser outro. Fundamental é que a figura tenha no bolso o cartão que garanta que este faz parte do grupo certo. O que faz sentido. Afinal, o que é que existirá na social-democracia para ser alvo de crença não terá passado de uma discussão que, naquele dia, nunca, na verdade, terá sido importante. Como, aliás, nunca ninguém duvidou.
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9.9.10
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07/09/10
Teoria da relatividade do trágico
Fico sempre estupefacto com o sentido do trágico demonstrado pelos nossos jornalistas. As notícias são sempre «de última hora», com «trágicos» eventos e «chocantes» contornos. Invariavelmente, desaconselham-se as imagens aos «espectadores mais sensíveis». Mas até nos casos em que (TVI à cabeça) não é possível mostrar corpos decepados ou poças de sangue ainda por secar, os jornalistas do burgo dão o seu melhor por sangrar a ferida.
Só assim se explica que, para um jornalista do Expresso, a selecção esteja «a viver um dos momentos mais conturbados da sua história». Aqui são reveladas duas coisas importantíssimas, à qual acrescentava, ainda, uma terceira. Primeiro, como já bem demonstrado com mais de quarenta anos de televisão, os jornalistas têm mais arte para a tragédia do que Sófocles; segundo, o jornalista percebe pouco de desporto e ainda menos da selecção, inconsciente do facto de entre Eusébio e Luís Figo não termos tido selecção mas sim um bando variável de medíocres que, durante vinte e tal anos, fingiam que jogavam à bola (posso garantir que vi o Secretário e o João Manuel Pinto serem convocados para a selecção); em terceiro, e talvez mais grave, demonstra pouco estudo (no caso, desportivo) na área dos «momentos mais conturbados» da história da Federação Portuguesa de Futebol.
O jornalista, assim como o leitor menos informado, que tenha, sobre os seus ombros, uma tradição tão bela e bucólica como o regresso às raízes dos nossos dignos atletas no Mundial do México em 1986, não pode dar grande importância a um típico caso em que o patrão quer forçar o empregado a sair pelo seu próprio pé, para não lhe pagar indemnização. No caso, Madaíl força Queiroz.
É que os tempos modernos trouxeram outro nível de corrupção. Outra elegância. E até os golpes baixos já me parecem inteligentes e bem feitos. É uma vergonha o que se está a fazer a Queiroz? É. Ele não é o melhor treinador da Europa? De longe. Mas, ainda assim, Queiroz esteve sempre lá, na construção das bases dos melhores anos futebolísticos da selecção e, até, das bases da academia do Sporting. E, quer queiramos quer não, um «momento conturbado» com Queiroz e Madaíl à mistura é sempre bem mais higiénico do que ver o Bandeirinha a tirar trampa do meio dos dedos do pé ou um tomate de Jaime Pacheco a sair do calção. A história de Fernando Couto, mais de dez anos depois, a correr de cuecas atrás de prostitutas fica para outra oportunidade.
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7.9.10
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06/09/10
O verdadeiro Manual do Pessimismo
O verdadeiro manual do pessimismo, agora em minha casa, e na mesa de cabeceira. Roger Scruton explica porque o mundo vai mal. Desde sempre.
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6.9.10
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03/09/10
Erasmus
A ler, Joel Neto sobre Erasmus e sobre tudo o que a vida reserva para quem é novo e tem ilusões:
Estou naquela fase da vida em que se começa a ter amigos com filhos à porta da faculdade – e, inevitavelmente, vou-me solidarizando com as suas causas. Para alguns, o dinheiro até nem é problema; para outros, é um suplício. Não importa: de cada vez que vou jantar a casa de um deles, é inevitável que, em algum momento, o rebento pronuncie a palavra “Erasmus”.(...)Problema: ao fim de seis meses, o resto do curso já não os seduz assim tanto. Se o curso já estava completo, então é a monografia que nunca mais chega. E, se a monografia já fora entregue, então são as cartas com os currículos que tardam em conhecer o aconchego do marco do correio. Bem vistas as coisas, eles não sabem ainda exactamente aquilo a que querem dedicar-se. Pensavam que queriam ser engenheiros, médicos, advogados, economistas, mas entretanto a sua vocação talvez seja outra – e, ainda por cima, o chamado mercado de trabalho, com os seus ordenados miseráveis, a sua precaridade e as suas promoções por tudo menos pelo mérito, parece-lhes agora uma autêntica palhaçada.
Tenho uma teoria sobre isto: em vez de regressarem e darem de caras com um paízinho triste e sem chama, eles perceberam que os outros países são tão tristes e tão sem chama como o nosso – e, de repente, olham em frente e concluem que o mundo é todo uma merda e que nem sequer emigrando se pode escapar a ela. Não sei: talvez seja outra coisa. Mas isso é o menos: o que importa é que estão deprimidos, que não fazem um esforço – e que, mais dia menos dia, vão usar a expressão “ano sabático”. E o meu grande conforto é que, não tendo filhos agora, na altura em que filho meu chegue à faculdade, já nem sequer haverá Europa, quanto mais Erasmus.
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3.9.10
01/09/10
Ray Bradbury
Do you have a Kindle or an e-reader?
I don't believe in those. They don't smell. A book has got smell. A new book smells great. An old book smells even better. An old book smells like ancient Egypt. A couple years ago some of these book people came to me and they offered me money to put my books on the Internet, and I said to them, "pick up your rears and go to hell!"
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1.9.10
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31/08/10
O drama do paletó
Ter de me vestir bem para ir a um qualquer sítio mais formal é, para mim, um suplício. Estou a ser generoso. Na verdade, é um pesadelo. Gente de fato e gravata por todo o lado. Concursos de botões de punho prateados. High brow e sorrisinho irónico. A formalidade abunda. A elegância abunda. A imbecilidade também. É difícil ter uma conversa, e é difícil descontrair. Mas, mais do que tudo o resto, é difícil passar um dia de Verão enfiado num «paletó», como dizia Nelson Rodrigues, e asifixado por uma gravata.
Ou... pode-se fazer como Boris Johnson e andar de fato como quem anda de t-shirt e relacionar-se com os outros como quem se está a cagar para tudo. Essa atitude, e uma casa cheia de livros. Talvez o início, uma pequena miragem, da felicidade. E haverá estado mais elevado do que aquele em que já nos estamos a cagar para tudo? Eu acho que não.
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31.8.10
27/08/10
Os liberais apátridas (ou) As agências de rating são nossas amigas
De súbito, sem que eu me tenha dado conta, Portugal tornou-se liberal. Mais: Portugal tornou-se um país cheio de gente que não só defende a liberdade individual como acha que o dinheiro salva. Não falo, é claro, dos taxistas ou do Sr. Zé - a quem ajudo, com uma moeda por dia, a manter viva a esperança de beber um copinho de tinto todas as manhãs até ao dia da sua morte. Falo dos imensos recém-conversos liberais que pululam por essa blogosfera fora. Falo da pátria da liberdade económica que fica muito indignada quando os modestos portugueses criticam as agências de rating.
Eu acho que, pelo meio da leitura do Rothbard, muita gente perdeu a noção do valor das coisas. Não falo do preço, para quem fez a imediata ligação. Falo mesmo do valor. Das raízes, da moral, das coisas que, por mais se rascas se tornem, serão sempre nossas. Das coisas que têm um valor incalculável mesmo que o preço, para nosso infortúnio, seja uma pechincha para quem as compra. Da família, da rua onde moramos, do café da esquina, dos livros e, inevitavelmente, do país.
Portugal já viu melhores dias. Viu? Minto. Não viu. Somos o que somos: sempre atrasados, a ver de longe o progresso e à espera de o copiar, com um pequeno episódio na nossa história em que contornámos o problema espanhol e, à traição, partimos por mar em vez de passar por terras vizinhas. Mas o truque da sobrevivência do país está nesta dupla face: mostrar às atenções internacionais o nosso grande sucesso e capacidade, ao mesmo tempo que nos relacionamos, dentro de fronteiras, de uma forma inspirada no velho do Restelo. Falamos mal e arrasamo-nos mutuamente, enquanto não chega a hora de vender o produto. Aí, a mentira é essencial.
O que me faz impressão nos liberais de pacotilha é esta indiferença face às fronteiras. Face à ligação emocional. É não perceberem que, tal como numa empresa, um país «vende-se» aos investidores através da mentira. Da publicidade. Dos folhetos turísticos. Publicitar é comercializar. Comercializar é vender. Vender é escolher um preço. E escolher um preço é, necessariamente, mentir. Tal como as agências de rating fazem, em benefício de um ou de outro cliente, mas, no nosso caso, mentir para vender Portugal a um bom preço.
O problema dos recém-conversos liberais é, precisamente, este. Achar que as coisas têm um preço, achar que há produtos e achar que há consumo. Ponto. A felicidade advinda do consumo e da satisfação das necessidades. Sem condições. Sem ligações nacionais. Sem corrupção. A felicidade na economia. A economia na ciência. Infalível, justa e simples.
Mentir? Nunca, dizem eles. Especulação é má. A não ser que seja feita por uma multinacional, é claro. Aí, sem bandeira, vale tudo. «Greed is good», dizia Gordon Gekko em Wall Street. Mas a personagem de Gekko, pelo que se sabe, acabou a perder no fim do filme. Ironicamente, para o herói, que soube mentir. Até dos filmes é preciso tirar lições.
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27.8.10
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Um estudo muito científico
No estranho mundo dos «estudos científicos» que são citados em revistas e em sites de alguma reputação, nunca deixa de ser curioso ver a humilde relatividade da coisa («um estudo» - um e apenas um) bem regada com generosas doses de generalização («os cientistas», «a comunidade científica», «os homens») e de banalidades.
Nomeadamente, banalidades como o produto de um estudo que demorou anos de investigação para concluir que, afinal, mulheres com decotes maiores têm mais facilidade em arranjar parceiro. Pudera. Será de censurar? Transparência, é o grande mote. Um homem, assim como qualquer mulher, procura, acima de tudo, transparência. Por detrás da boa aparência de um homem, uma mulher procura sempre o sentido de humor e a verdadeira personalidade. Por detrás da boa aparência de uma mulher, um homem procura sempre o verdadeiro tamanho de um par de mamas. Transparência. E honestidade, já agora.
Mas, para além das banalidades, há ainda outros estudos mais custosos. São aqueles estudos que nos fazem pensar se, na verdade, não se esbanja mais dinheiro com a ciência do que na burocracia inútil de Ministérios parados no tempo do D. Luís. Estudos que, segundo o que se diz aqui, provam que, na verdade, «o cansaço é psicológico». Ou seja, que os músculos, pobres diabos trabalhadores, não se cansam senão com ordens expressas de um cérebro preguiçoso.
Estranham, pois, que o grupo de cobaias humanas utilizado se tivesse dividido entre aqueles que não se cansaram num exercício de ginástica por terem antes visto «apenas» um documentário na TV, e aqueles que, por terem passado por uma «tarefa mentalmente exigente de 90 minutos antes de começar» a ginástica, não se aguentaram nas perninhas.
Não é de admirar. Apesar de eu não saber o que poderá ser uma «tarefa mentalmente exigente» (o que confere a generalização da praxe), calculo que, a terem levado as cobaias ao Estádio Alvalade XXI, à Cinemateca Portuguesa ver um filme de Manoel de Oliveira ou os terem obrigado a preencher os «C's» um a um onde faltam ao longo do jornal brasileiro Expresso, uma pessoa fique com pouca paciência para correr numa passadeira rolante ao som de Madonna. Ou isso ou, muito provavelmente, obrigaram as cobaias a ler vários estudos imbecis como este.
Por todas estas razões e mais algumas, não se percebe como nós, comuns mortais, criaturas ignorantes do reino da Natureza, não compreendemos o conselho dos cientistas para «fazermos exercício físico depois de um dia de trabalho árduo». Isto quando, claramente, esta é a cura ideal para o cansaço: a ultrapassagem por excesso.
Não me admirava que, de estudo em estudo, nos levassem, num futuro próximo, a trabalhar 18 horas por dia enquanto nos convenciam que o cansaço, na realidade, estava só na nossa cabeça. Como se a cabeça fosse a arredacação ou o galinheiro vazio onde ninguém vai a não ser para dar o lanche ao primo deficiente mental (costumes rurais, há que respeitá-los). Ainda assim, confesso, preferia trabalhar todas essas horas se, ao menos, me garantissem que não teria de ler estudos como o que aqui citei. Com sorte, imbuído desse espírito de felicidade e liberdade, ainda ía dar uma corridinha ao ginásio à procura de um decote que me atraísse para uma estatística qualquer.
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27.8.10
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Um lunático com uma missão
Leio no jornal uma entrevista a Fernando Nobre, candidato presidencial. Mais uma. A coisa que, como já vai sendo habitual, não oscila para além do patético e o risível, possibilita-nos, no entanto, descortinar um pouco mais do lunático que se esconde por detrás do homem. Que nos diz o lunático, perdão, o homem? Que tem «esperança» tendo em conta as últimas sondagens. Que não acredita em «dicotomias», mas apenas na «transversalidade» da sua pessoa. Que o «mundo» precisa de um novo «paradigma global». Que ele é esse novo «paradigma», tal como o é Barack Obama. Razão suficiente, aliás, para que este mantenha, em cima da sua secretária, o livro do mesmo, de modo a nele diariamente procurar notas inspiradoras.
É tudo? Não é. Em jeito de despedida, e num assalto de pura lucidez, o candidato não deixa de revelar que, aconteça o que acontecer, este continuará «sempre a ser o presidente da AMI e o fundador da AMI». Aspecto que só prova que, tal como na sua candidatura, não é o homem que está ao serviço da causa, mas que a causa existe apenas e só para promover o lunático.
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27.8.10
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Eu sou o meu próprio vilão
Sharon Lamb, professora de Saúde Mental da Universidade de Massachusetts, não tem dúvidas. A nova geração de super-heróis, que tem vindo a ganhar notoriedade no cinema, é um mau exemplo para jovens e adolescentes. O Homem de Ferro, por exemplo, afirma, é o mais perfeito representante de uma «masculinidade negativa», a qual se caracteriza pelo uso de uma violência desmedida contra os vilões e um tratamento abusivo e imaturo para com as mulheres. Ah, as mulheres, sempre as mulheres.
A solução, claro, consiste em reverter aos modelos antigos. Aos da justiça, aos da integridade, aos da decência. Não necessariamente em relação os vilões, esses miseráveis; mas claramente em relação às mulheres, essa nossa razão de existência. Porque um herói é, antes de tudo, um homem. Mas não um homem qualquer: é um homem que é vulnerável, um homem que lida com problemas reais de pessoas reais, como uma pessoa também ela real. Sofre porque ama – as mulheres, não os vilões. Como o Super-homem, por exemplo.
O que não deixa de ser sintomático. Afinal, se é verdade que quem procura sempre encontra, não deixa de ser interessante notar que, na sua procura de um homem perfeito, a professora Sharon Lamb venha a esbarrar numa verdadeira criatura de um outro planeta. Uma consequência, afinal, perfeitamente espectável em quem tende a levar a sua procura um tudo nada longe demais.
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27.8.10
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25/08/10
Trabalho de sofá
E ainda dizem que o dinheiro não compra a felicidade. Mas não se engane, caro leitor. Tudo isto, aqui em cima, por um terço do preço do bilhete que pagou para ver Roberto, eminente guarda-redes espanhol, no último jogo em casa do Benfica. E, como bónus, não acaba de ver cada episódio lavado em lágrimas.
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25.8.10
As bad as it gets
O Tiago, em boa hora, menciona uma figura que, se não fosse de uma área política à qual me ligo racional e irracionalmente, me passaria completamente ao lado.
Minto. Henrique Raposo passa-me, de facto, ao lado. E literalmente. Quando faço o sacrifício de ir ler Rui Ramos, rogo sempre pragas à Redacção daquele infernal jornal brasileiro por resolverem encavalitar um excelente historiador numa página que, não raras vezes, junta o pior de Portugal: o Bloco de Esquerda; um contribuidor ocasional que, regra geral, deve pouco à inteligência e ainda menos aos poderes de cativar um leitor que seja; e, inevitavelmente, Henrique Raposo, delfim do «liberalismo de pacotilha» que o Tiago, conservador da linha «Estou-me a Cagar», bem refere. Se outra opinião não tivesse, bastar-me-ia dizer que o melhor daquela página acaba por ser o Daniel Oliveira, o que, sejamos francos, diz muito sobre Henrique Raposo.
Raposo passa-me, pois, literalmente ao lado. Mas de forma dolorosa, devo confessar. Aliás, para chegar aos obituários escritos por José Cutileiro, já várias vezes cruzei a página de Henrique Raposo e acabei com um cotovelo ou um ombro esfolado. Por vezes uns arranhões. Nada de mais, é certo, mas dói ver o liberalismo representado assim, numa mistura de estilos que, futebolisticamente, se poderia classificar como Jaime Pacheco meets Louis van Gaal: o pior do confronto homem a homem junta-se ao pior do academismo.
Imaturo, irritante e mentalmente preso na Guerra Fria, Henrique Raposo traz para a mesa uma velha questão moral: deve-se bater no ceguinho? Deve-se continuar a massacrar quem acredite, séria mas ingenuamente, que o «Estado Social» vai durar para sempre? Eu acho que não. Raposo acha que sim. Tem todo o direito. Podia era escrever menos vezes o mesmo, e variar de estilo.
Por muito que, lá no fundo, o meu país ideal seja o país ideal deste cronista, a forma histriónica e, paradoxalmente, maçante com que escreve faz com que a sua seja uma das piores colunas de um jornal que só ainda não chegou mais baixo que os trabalhadores da Mina da Panasqueira. «All the king's horses and all the king's men / couldn't put Humpty together again». Tivesse Henrique Raposo a forma de um ovo, e este seria o melhor epitáfio para a sua coluna.
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25.8.10
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24/08/10
Um novo amigo
Vamos por etapas. Compre ou peça emprestado o jornal Expresso. Um qualquer Expresso. Pegue no «caderno principal». Agora vire-o e comece a folhear pelas páginas finais. Sem medo. Ele não morde. Ainda. Vire uma página. Vire duas. Pare. Respire fundo. Foque a sua atenção na coluna do lado direito. Procure uma criatura que tem por hábito começar e terminar cada frase inelegível com um condescendeste «meus amigos» ou «caro leitor», e que tenta a todo o custo vender um liberalismo ignorante de pacotilha. Leia um parágrafo e confirme. (Se se confrontar com um indivíduo que o urge de que a salvação do país se encontra no Bloco de Esquerda, é por que foi longe demais – em todos os sentidos possíveis). Está lá? Encontrou? Óptimo. Agora fixe o nome: Henrique Raposo. Daqui para a frente este será o seu novo amigo e preferido alvo de antipatia. E escusa de agradecer. Eu é que agradeço. A sério.
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24.8.10
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20/08/10
«Eles» e o regresso de MEC
Quem ler o caderno P2 do Público de hoje encontrará uma surpresa: Miguel Esteves Cardoso a ameaçar voltar à sua boa forma mental e criativa. Pelo menos já calçou as chuteiras. Fica um pouco do perfume do futebol (nostálgico para mim) de MEC no artigo de hoje:
«Não aconselho a ninguém ouvir muitas horas de fóruns radiofónicos. As vozes na cabeça não se vão embora. Parece ter havido festa da grossa na sala mental onde iam as minhas palavras quando queriam estar à vontade.
(...) "Eu não acredito na crise: a crise somos nós que a fazemos."
Há aqui dois espectros em jogo: o espectro da confiança e o espectro da culpa. O primeiro depende de quanto se acredita no que "eles" (os que mandam neste país e enriqueceram à custa dele) dizem. A posição mais portuguesa é a do meio, porque nunca falha:
"Desconfio que não seja bem assim..." Como nunca é bem assim, nunca se faz má figura. Se as coisas estão muito piores ou piores do que eles dizem, também funciona porque o "não ser bem assim" aguenta uma carga irónica tão pesada quanto convier.
O espectro da culpa depende do grau de culpa que se atribui a "eles". Aqui a posição mais portuguesa é radical, mas, ao mesmo tempo, assegura que não se venha a ser desmentido: "Minha é que não é, com certeza..." Passa por gracejo, mas, subentendida, há uma circunspecção: se calhar ele sabe quem são os culpados, mas prefere guardar segredo, por enquanto. (...)»
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20.8.10
19/08/10
Escrever
Não sei bem porquê, há certas pessoas que se esforçam todos os dias por me exigir palavras, palavras, e mais palavras. Sobre tudo. Sobre nada. As palavras, essas, é que são o essencial. Isto, claro, é a história do costume: que escrevo pouco, que o que escrevo não chega, que devia escrever mais. Que fazer? É claro que desconfio que o pedido não surge de uma fome insaciável pelo doce sumo do escriba. A coisa estará mais relacionada com a obsessão alimentícia de manutenção do sítio. E se o sítio precisa de comer, é a este escravo que cumpre o trabalho de o alimentar. Obviamente.
Trabalho difícil. Especialmente quando o escravo faz o trabalho de três. O dele. O de um fantasma de que só se conhecem três letras. E o de um outro que prometeu mas que ainda nem sequer apareceu. Que fazer, portanto? A solução óbvia é escrever mais. Mais? Mais. E menos também. Dois parágrafos. Três no máximo. (Quase) Diariamente. Como pressão. A ver vamos se funciona.
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19.8.10
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A história do mundo
O João, que por estes dias anda a ler Isaiah Berlin, coloca a questão: será a felicidade o único valor que o homem busca? Único não digo. Mas digo o mais fundamental. Aristóteles pelo menos pensava que sim. E eu penso que Aristóteles pensava bem. Razão simples: a felicidade é o valor sobre o qual todos os outros se subsumem. A dificuldade? A extrema relatividade daquilo que a felicidade é para cada indivíduo em particular. O perigo? O do cair na tentação de impor uma felicidade padronizada, que elimine as inclinações e preferências pessoais dos mesmos. A história dos regimes políticos não é mais que a história destas questões.
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19.8.10
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18/08/10
Felicidade
Em Rousseau e outros cinco inimigos da Liberdade, Isaiah Berlin termina um texto sobre Helvétius - um filósofo muito pouco dado às liberdades individuais mas, como é natural, inspirador de regimes muito rígidos devotados à «felicidade» de todos - desta forma:
«É um sistema muito rígido e sólido; não há espaço para nos movermos no seu interior. Talvez consiga gerar felicidade; mas não é claro - não o era mesmo no século XVIII e seguramente não se tornou mais claro posteriormente - que a felicidade seja o único valor que o homem busca.»
É uma grande frase, e que poderia abrir todas as discussões de filosofia política sobre a vivência em sociedade.
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18.8.10
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Eu tentei e falhei
Tentei escrever um texto cheio de pretensões, cinismo e humor. Isto serve apenas como informação de que falhei e preferi ir ler.
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18.8.10
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16/08/10
A queda do gigante
Já vai com um grande atraso, mas não podia deixar de referir aqui a notícia da morte de Manute Bol, no passado dia 19 de Junho. Manute Bol, um sudanês nascido em 1962, provavelmente será um nome que não diz nada a ninguém. Ou quase ninguém, vá lá, porque quem acompanhou a NBA nos anos 80 e 90 (no meu caso, desde tenríssima idade) conhecerá, certamente, este nome.
Manute Bol foi, até ao aparecimento de Gheorghe Muresan - célebre jogador dos Washington Wizards e com passagem no cinema em filme com Billy Crystal -, o jogador mais alto de sempre da NBA, e, mesmo assim, apenas igualado por Muresan, e não ultrapassado: 2,31 metros, dizia o passaporte de cada um. Ou 7"7 (pés e polegadas), para quem acompanha as medidas americanas, precisamente por causa do basket americano. Não é brincadeira.
Enorme, esguio, desengonçado, estranho, de braços tão longos que nenhuma bola parecia capaz de passar por ele, Manute Bol não ficou famoso por ser um jogador exímio. Aliás, a sua falta de talento técnico era quase tão alta como as suas pernas. No entanto, e ao contrário de tantos cepos que passaram por aquela liga, Manute Bol impunha respeito não só pelo comprimento dos seus braços mas pela forma como se impunha debaixo do cesto, bloqueando tiros atrás de tiros.
A 19 de Junho não se foi só um ex-jogador de basket da NBA. Foi-se, sobretudo, um símbolo, um ícone para quem acompanhava a NBA e tem interesse pela história da mesma. E, porque não dizê-lo, uma das figuras mais peculiares do desporto em geral de que eu tenho memória. Os lançadores de curta distância na NBA estão, desde 19 de Junho, mais descansados.
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16.8.10
Crescer
Ontem levei trabalho para casa. Saí do trabalho, meti-me em meia dúzia de transportes públicos e lá foi ele comigo.
Quando se é novo, a ideia de levar trabalho para casa limita-se ao medo de passar o fim-de-semana a fazer contas de dividir ou a preencher frases com formas verbais em inglês ou francês. Nada de mais? Errado. Na altura é um dos maiores medos de cada um de nós. O terror de perder a infância para a aritmética. O terror de, assim, nos podermos tornar num adulto parecido com o Guilherme d'Oliveira Martins. Quando se é miúdo, um fim-de-semana passado ao som dos TPC's não é fim-de-semana de todo. Aliás, é um pouco como ir a um jantar romântico com a Scarlett Johansson... e o marido dela.
Mas tudo piora quando se tem um trabalho. Quando se «é adulto». Quando se «tem responsabilidades». E o que é isto de ser adulto e ter responsabilidades? Fiquei a perceber, muito recentemente, e para além das hesitantes certezas que já tinha, que «ser adulto e ter responsabilidades» é levar trabalhos para casa. Sim, um pouco como quando se é miúdo. Mas pior. Em versão predatória e aterrorizante.
Ser adulto é levar para casa trabalho e problemas, sim... mas trabalho e problemas dos outros. Que os outros deveriam cumprir ou resolver, mas que a mim me caíram no colo. É a minha lição da semana passada.
12/08/10
Artigo
Um texto meu sobre O Ensino do Português, de Maria do Carmo Vieira, mas agora em versão toda bonita, no Setúbal na Rede.
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12.8.10
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The Uses of Pessimism and the Danger of False Hope
O livro, esse, já está encomendado.
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12.8.10
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10/08/10
A filmografia pessoal numa gota de sangue
Ao que parece, e por razões médicas, os homossexuais estão cordialmente impedidos de doar sangue – não perguntem. Por essa razão, a secretária de Estado da Igualdade, a dra. Elza Pais, veio desafiar o presidente do Instituto Português do Sangue (IPS) a retirar dos questionários as perguntas relativas à orientação sexual dos dadores, por considerar que estas são «discriminatórias». Don’t ask don’t tell, parece ser o lema.
Impossível não concordar com o desafio. Principalmente para alguém que já foi dador. Fui. Não sou. E não sou por três simples razões. Primeiro, porque o estado de letargia crónica induzido pela perda de meio litro de sangue não é particularmente agradável. Segundo, porque o lanche que é candidamente oferecido à saída é algo a que até os piores criminosos estão poupados. Terceiro, porque o dito inquérito a que qualquer um está condenado não cai bem em almas puritanas como a minha.
Porque o acto de descortinar a orientação sexual é o menor dos males a que uma personagem caridosa está condenada. Pior é a aparentemente necessária inquisição pidesca acerca do número de parceiras – as passadas, as presentes e as futuras; de se a sedução implica a troca de dinheiro ou de meras mentiras; de se a segurança do acto é pré ou pós vitoriana; de se a posição é a sancionada, a duração a recomendada e a satisfação a desejada. A isto, claro, se chama o historial médico.
É claro que, bem a ver, tudo isto não passa de uma filmografia pessoal. Ao contrário do que a dra. Elza Pais gosta de pensar, os questionários não originam um simples problema de «discriminação». Na verdade, e mais tragicamente, eles denunciam um problema mais grave de pura devassa da privacidade pessoal. Por isso, e até que essa evidência seja percebida, a doação de sangue, mais pergunta menos pergunta, não deixará nunca de continuar a ser um mau filme pornográfico, onde cada um está incessantemente condenado a desempenhar o papel principal. E que os homossexuais estejam «discriminatoriamente» proibidos por lei de relatar as suas carreiras íntimas a um perfeito desconhecido de bata branca, não deixa de ser algo que os deverá alegrar.
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10.8.10
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