De súbito, sem que eu me tenha dado conta, Portugal tornou-se liberal. Mais: Portugal tornou-se um país cheio de gente que não só defende a liberdade individual como acha que o dinheiro salva. Não falo, é claro, dos taxistas ou do Sr. Zé - a quem ajudo, com uma moeda por dia, a manter viva a esperança de beber um copinho de tinto todas as manhãs até ao dia da sua morte. Falo dos imensos recém-conversos liberais que pululam por essa blogosfera fora. Falo da pátria da liberdade económica que fica muito indignada quando os modestos portugueses criticam as agências de rating.
Eu acho que, pelo meio da leitura do Rothbard, muita gente perdeu a noção do valor das coisas. Não falo do preço, para quem fez a imediata ligação. Falo mesmo do valor. Das raízes, da moral, das coisas que, por mais se rascas se tornem, serão sempre nossas. Das coisas que têm um valor incalculável mesmo que o preço, para nosso infortúnio, seja uma pechincha para quem as compra. Da família, da rua onde moramos, do café da esquina, dos livros e, inevitavelmente, do país.
Portugal já viu melhores dias. Viu? Minto. Não viu. Somos o que somos: sempre atrasados, a ver de longe o progresso e à espera de o copiar, com um pequeno episódio na nossa história em que contornámos o problema espanhol e, à traição, partimos por mar em vez de passar por terras vizinhas. Mas o truque da sobrevivência do país está nesta dupla face: mostrar às atenções internacionais o nosso grande sucesso e capacidade, ao mesmo tempo que nos relacionamos, dentro de fronteiras, de uma forma inspirada no velho do Restelo. Falamos mal e arrasamo-nos mutuamente, enquanto não chega a hora de vender o produto. Aí, a mentira é essencial.
O que me faz impressão nos liberais de pacotilha é esta indiferença face às fronteiras. Face à ligação emocional. É não perceberem que, tal como numa empresa, um país «vende-se» aos investidores através da mentira. Da publicidade. Dos folhetos turísticos. Publicitar é comercializar. Comercializar é vender. Vender é escolher um preço. E escolher um preço é, necessariamente, mentir. Tal como as agências de rating fazem, em benefício de um ou de outro cliente, mas, no nosso caso, mentir para vender Portugal a um bom preço.
O problema dos recém-conversos liberais é, precisamente, este. Achar que as coisas têm um preço, achar que há produtos e achar que há consumo. Ponto. A felicidade advinda do consumo e da satisfação das necessidades. Sem condições. Sem ligações nacionais. Sem corrupção. A felicidade na economia. A economia na ciência. Infalível, justa e simples.
Mentir? Nunca, dizem eles. Especulação é má. A não ser que seja feita por uma multinacional, é claro. Aí, sem bandeira, vale tudo. «Greed is good», dizia Gordon Gekko em Wall Street. Mas a personagem de Gekko, pelo que se sabe, acabou a perder no fim do filme. Ironicamente, para o herói, que soube mentir. Até dos filmes é preciso tirar lições.
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