22/10/10

O fardo de ser francês


Tenho de admitir que, perante as greves gerais que a França tem «aguentado» nos últimos dias, guardo alguma simpatia no coração para com aquela malta. No coração ou no cérebro. Ou noutro sítio, que o Dr. António Damásio saberá melhor do que eu. O que interessa é que, estando num espectro ideológico muito diferente daquele em que a quase totalidade dos grevistas franceses se situarão, não posso deixar de pecar por alguma satisfação em ver a França a arder. Não pelas jovens parisienses, pela arte, pelo Truffaut ou pelas excelentes baguettes. Mas tenho de admitir que Nicolas Sarkozy e uma miríade de outros franceses me fazem pensar: you had it coming.

Aliás, este é um problema que os franceses terão de resolver, porque foram eles próprios que o criaram. A Carta de Amiens, de 1906, «cozinhada» e adoptada pela gigantesca CGT francesa - provavelmente o sindicato mais simbólico da Europa - lançou as bases daquela que viria a ser a orientação estratégica mais importante do sindicalismo revolucionário, a greve geral, muito em voga na Europa do Sul do início do século, incluindo em Portugal - onde, ainda assim, a via mais branda da negociação ainda tinha alguma adesão sindical. Trabalhadores sindicalizados italianos, espanhóis, portugueses, mas também alemães, húngaros e até suecos abraçaram, assim, a «acção directa» anarquista para lidar com o poder, com o «capital». De qualquer forma, a culpa não é deles. Apenas copiaram o modelo francês. Os franceses é que, com toda uma história de criar a confusão no próprio país, fizeram a cama em que agora se deitam.

Resta saber, no entanto, o que têm jovens magrebinos, africanos e anarquistas de mochila e lenço na cara a ver com o problema da idade da reforma dos trabalhadores franceses. Como tenho muitas dúvidas que seja solidariedade operária ou, mais improvável ainda, resposta por serem directamente afectados, apenas uma certeza me fica: é uma triste sina nascer francês.

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