07/09/10

Teoria da relatividade do trágico



Fico sempre estupefacto com o sentido do trágico demonstrado pelos nossos jornalistas. As notícias são sempre «de última hora», com «trágicos» eventos e «chocantes» contornos. Invariavelmente, desaconselham-se as imagens aos «espectadores mais sensíveis». Mas até nos casos em que (TVI à cabeça) não é possível mostrar corpos decepados ou poças de sangue ainda por secar, os jornalistas do burgo dão o seu melhor por sangrar a ferida.

Só assim se explica que, para um jornalista do Expresso, a selecção esteja «a viver um dos momentos mais conturbados da sua história». Aqui são reveladas duas coisas importantíssimas, à qual acrescentava, ainda, uma terceira. Primeiro, como já bem demonstrado com mais de quarenta anos de televisão, os jornalistas têm mais arte para a tragédia do que Sófocles; segundo, o jornalista percebe pouco de desporto e ainda menos da selecção, inconsciente do facto de entre Eusébio e Luís Figo não termos tido selecção mas sim um bando variável de medíocres que, durante vinte e tal anos, fingiam que jogavam à bola (posso garantir que vi o Secretário e o João Manuel Pinto serem convocados para a selecção); em terceiro, e talvez mais grave, demonstra pouco estudo (no caso, desportivo) na área dos «momentos mais conturbados» da história da Federação Portuguesa de Futebol.

O jornalista, assim como o leitor menos informado, que tenha, sobre os seus ombros, uma tradição tão bela e bucólica como o regresso às raízes dos nossos dignos atletas no Mundial do México em 1986, não pode dar grande importância a um típico caso em que o patrão quer forçar o empregado a sair pelo seu próprio pé, para não lhe pagar indemnização. No caso, Madaíl força Queiroz.

É que os tempos modernos trouxeram outro nível de corrupção. Outra elegância. E até os golpes baixos já me parecem inteligentes e bem feitos. É uma vergonha o que se está a fazer a Queiroz? É. Ele não é o melhor treinador da Europa? De longe. Mas, ainda assim, Queiroz esteve sempre lá, na construção das bases dos melhores anos futebolísticos da selecção e, até, das bases da academia do Sporting. E, quer queiramos quer não, um «momento conturbado» com Queiroz e Madaíl à mistura é sempre bem mais higiénico do que ver o Bandeirinha a tirar trampa do meio dos dedos do pé ou um tomate de Jaime Pacheco a sair do calção. A história de Fernando Couto, mais de dez anos depois, a correr de cuecas atrás de prostitutas fica para outra oportunidade.

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