Este histerismo em redor de um pastor anónimo - que agora, por milagre, deixou de ser anónimo -, chamado Terry Jones, que quer queimar o Corão faz-me lembrar uma história.
Uma vez conheci um velhote, num café de Lisboa, que me resgatou da leitura auto-impingida de tratados nucleares de filosofia política. De Oakeshott, Marx ou qualquer outro dinossauro da arte de dissecar as falácias de ideologias alheias, passei para outro seminário. Sem intervalo. Nem chichi nem café. Nada. Apenas uma profunda inspiração de ar e um salto valente para a justamente esperada (e merecida) estocada de tédio.
O senhor, então, discorreu sobre um pouco de tudo: o 25 de Abril; a (então fresca) saída de Durão Barroso para a Comissão Europeia; a guerra colonial; a África perdida; os pretos; a África mal-tratada pelos brancos; a África que, afinal era isto que pensava, apesar de tudo estava melhor sob domínio europeu; o desemprego; os impostos; o ataque cardíaco que o senhor sofreu há poucos anos; o colestrol alto; o que eu tinha no prato; o que estava a beber; o alto teor calórico dos hamburgers; «esta malta nova»; a sua «gente mais velha»; etc.; etc.; etc.. Em suma, perdi uma tarde e roguei pragas a todo o mundo. E com razão. Não serviu para nada. Não aprendi nada. Não fiz do mundo um lugar melhor para viver.
Com as horas, no entanto - depois de sair do café -, fui percebendo que, no fundo, a culpa daquela seca monumental era inteiramente minha. A responsabilidade de dar atenção a um velhote simpático era exclusivamente do vosso bloguista e, mais importante, a vontade de passar por aquela seca também foi minha. O aborrecimento masoquista de ler tratados filosóficos de 600 páginas obrigou-me a procurar um contacto humano incipiente e sem qualquer objectivo. Algo que me distraísse, no fundo, das obrigações. Do tédio. Um mar de tédio por um rio de tédio. Um reino por um cavalo. Um livro por uma pessoa. A rotina por uma rotina alheia, diferente.
O que é que isto tem a ver com Terry Jones e a reputada queima do Corão? Nada. Mas, vendo bem, o que é que o pastor e a sua ideia banal tem a ver com a «luta de civilizações»? Também nada. É um tipo lúcido, mas com graves défices de atenção. Um não-tão-jovem pastor evangélico que, um dia, se sentiu demasiado grande para uma pequena cidade do interior. Precisou de atenção mediática para o seu número de circo. O mundo, aborrecido com a crise mas com os nervos à flor da pele pela aproximação da data fatídica do 11 de Setembro, fez-lhe a vontade.
Resta saber se, em caso de não ter havido extrapolação pela comunicação social, a ideia de Terry Jones (não o dos Monty Python) teria sido mais do que uma memória gira de um velhote num qualquer diner na América profunda a procurar atenção e um ouvido atento para as suas deambulações. «Sabe que um dia quis enfrentar todo o Islão, sozinho e com meia dúzia de fiéis?». Agora, com rios de tinta e de dinheiro gastos em torno de um grande nada, nunca saberemos.
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