31/08/10

O drama do paletó

Ter de me vestir bem para ir a um qualquer sítio mais formal é, para mim, um suplício. Estou a ser generoso. Na verdade, é um pesadelo. Gente de fato e gravata por todo o lado. Concursos de botões de punho prateados. High brow e sorrisinho irónico. A formalidade abunda. A elegância abunda. A imbecilidade também. É difícil ter uma conversa, e é difícil descontrair. Mas, mais do que tudo o resto, é difícil passar um dia de Verão enfiado num «paletó», como dizia Nelson Rodrigues, e asifixado por uma gravata.

Ou... pode-se fazer como Boris Johnson e andar de fato como quem anda de t-shirt e relacionar-se com os outros como quem se está a cagar para tudo. Essa atitude, e uma casa cheia de livros. Talvez o início, uma pequena miragem, da felicidade. E haverá estado mais elevado do que aquele em que já nos estamos a cagar para tudo? Eu acho que não.

27/08/10

Os liberais apátridas (ou) As agências de rating são nossas amigas




De súbito, sem que eu me tenha dado conta, Portugal tornou-se liberal. Mais: Portugal tornou-se um país cheio de gente que não só defende a liberdade individual como acha que o dinheiro salva. Não falo, é claro, dos taxistas ou do Sr. Zé - a quem ajudo, com uma moeda por dia, a manter viva a esperança de beber um copinho de tinto todas as manhãs até ao dia da sua morte. Falo dos imensos recém-conversos liberais que pululam por essa blogosfera fora. Falo da pátria da liberdade económica que fica muito indignada quando os modestos portugueses criticam as agências de rating.

Eu acho que, pelo meio da leitura do Rothbard, muita gente perdeu a noção do valor das coisas. Não falo do preço, para quem fez a imediata ligação. Falo mesmo do valor. Das raízes, da moral, das coisas que, por mais se rascas se tornem, serão sempre nossas. Das coisas que têm um valor incalculável mesmo que o preço, para nosso infortúnio, seja uma pechincha para quem as compra. Da família, da rua onde moramos, do café da esquina, dos livros e, inevitavelmente, do país.

Portugal já viu melhores dias. Viu? Minto. Não viu. Somos o que somos: sempre atrasados, a ver de longe o progresso e à espera de o copiar, com um pequeno episódio na nossa história em que contornámos o problema espanhol e, à traição, partimos por mar em vez de passar por terras vizinhas. Mas o truque da sobrevivência do país está nesta dupla face: mostrar às atenções internacionais o nosso grande sucesso e capacidade, ao mesmo tempo que nos relacionamos, dentro de fronteiras, de uma forma inspirada no velho do Restelo. Falamos mal e arrasamo-nos mutuamente, enquanto não chega a hora de vender o produto. Aí, a mentira é essencial.

O que me faz impressão nos liberais de pacotilha é esta indiferença face às fronteiras. Face à ligação emocional. É não perceberem que, tal como numa empresa, um país «vende-se» aos investidores através da mentira. Da publicidade. Dos folhetos turísticos. Publicitar é comercializar. Comercializar é vender. Vender é escolher um preço. E escolher um preço é, necessariamente, mentir. Tal como as agências de rating fazem, em benefício de um ou de outro cliente, mas, no nosso caso, mentir para vender Portugal a um bom preço.

O problema dos recém-conversos liberais é, precisamente, este. Achar que as coisas têm um preço, achar que há produtos e achar que há consumo. Ponto. A felicidade advinda do consumo e da satisfação das necessidades. Sem condições. Sem ligações nacionais. Sem corrupção. A felicidade na economia. A economia na ciência. Infalível, justa e simples.

Mentir? Nunca, dizem eles. Especulação é má. A não ser que seja feita por uma multinacional, é claro. Aí, sem bandeira, vale tudo. «Greed is good», dizia Gordon Gekko em Wall Street. Mas a personagem de Gekko, pelo que se sabe, acabou a perder no fim do filme. Ironicamente, para o herói, que soube mentir. Até dos filmes é preciso tirar lições.

Um estudo muito científico



No estranho mundo dos «estudos científicos» que são citados em revistas e em sites de alguma reputação, nunca deixa de ser curioso ver a humilde relatividade da coisa («um estudo» - um e apenas um) bem regada com generosas doses de generalização («os cientistas», «a comunidade científica», «os homens») e de banalidades.

Nomeadamente, banalidades como o produto de um estudo que demorou anos de investigação para concluir que, afinal, mulheres com decotes maiores têm mais facilidade em arranjar parceiro. Pudera. Será de censurar? Transparência, é o grande mote. Um homem, assim como qualquer mulher, procura, acima de tudo, transparência. Por detrás da boa aparência de um homem, uma mulher procura sempre o sentido de humor e a verdadeira personalidade. Por detrás da boa aparência de uma mulher, um homem procura sempre o verdadeiro tamanho de um par de mamas. Transparência. E honestidade, já agora.

Mas, para além das banalidades, há ainda outros estudos mais custosos. São aqueles estudos que nos fazem pensar se, na verdade, não se esbanja mais dinheiro com a ciência do que na burocracia inútil de Ministérios parados no tempo do D. Luís. Estudos que, segundo o que se diz aqui, provam que, na verdade, «o cansaço é psicológico». Ou seja, que os músculos, pobres diabos trabalhadores, não se cansam senão com ordens expressas de um cérebro preguiçoso.

Estranham, pois, que o grupo de cobaias humanas utilizado se tivesse dividido entre aqueles que não se cansaram num exercício de ginástica por terem antes visto «apenas» um documentário na TV, e aqueles que, por terem passado por uma «tarefa mentalmente exigente de 90 minutos antes de começar» a ginástica, não se aguentaram nas perninhas.

Não é de admirar. Apesar de eu não saber o que poderá ser uma «tarefa mentalmente exigente» (o que confere a generalização da praxe), calculo que, a terem levado as cobaias ao Estádio Alvalade XXI, à Cinemateca Portuguesa ver um filme de Manoel de Oliveira ou os terem obrigado a preencher os «C's» um a um onde faltam ao longo do jornal brasileiro Expresso, uma pessoa fique com pouca paciência para correr numa passadeira rolante ao som de Madonna. Ou isso ou, muito provavelmente, obrigaram as cobaias a ler vários estudos imbecis como este.

Por todas estas razões e mais algumas, não se percebe como nós, comuns mortais, criaturas ignorantes do reino da Natureza, não compreendemos o conselho dos cientistas para «fazermos exercício físico depois de um dia de trabalho árduo». Isto quando, claramente, esta é a cura ideal para o cansaço: a ultrapassagem por excesso.

Não me admirava que, de estudo em estudo, nos levassem, num futuro próximo, a trabalhar 18 horas por dia enquanto nos convenciam que o cansaço, na realidade, estava só na nossa cabeça. Como se a cabeça fosse a arredacação ou o galinheiro vazio onde ninguém vai a não ser para dar o lanche ao primo deficiente mental (costumes rurais, há que respeitá-los). Ainda assim, confesso, preferia trabalhar todas essas horas se, ao menos, me garantissem que não teria de ler estudos como o que aqui citei. Com sorte, imbuído desse espírito de felicidade e liberdade, ainda ía dar uma corridinha ao ginásio à procura de um decote que me atraísse para uma estatística qualquer.

Um lunático com uma missão


Leio no jornal uma entrevista a Fernando Nobre, candidato presidencial. Mais uma. A coisa que, como já vai sendo habitual, não oscila para além do patético e o risível, possibilita-nos, no entanto, descortinar um pouco mais do lunático que se esconde por detrás do homem. Que nos diz o lunático, perdão, o homem? Que tem «esperança» tendo em conta as últimas sondagens. Que não acredita em «dicotomias», mas apenas na «transversalidade» da sua pessoa. Que o «mundo» precisa de um novo «paradigma global». Que ele é esse novo «paradigma», tal como o é Barack Obama. Razão suficiente, aliás, para que este mantenha, em cima da sua secretária, o livro do mesmo, de modo a nele diariamente procurar notas inspiradoras.

É tudo? Não é. Em jeito de despedida, e num assalto de pura lucidez, o candidato não deixa de revelar que, aconteça o que acontecer, este continuará «sempre a ser o presidente da AMI e o fundador da AMI». Aspecto que só prova que, tal como na sua candidatura, não é o homem que está ao serviço da causa, mas que a causa existe apenas e só para promover o lunático.

Eu sou o meu próprio vilão


Sharon Lamb, professora de Saúde Mental da Universidade de Massachusetts, não tem dúvidas. A nova geração de super-heróis, que tem vindo a ganhar notoriedade no cinema, é um mau exemplo para jovens e adolescentes. O Homem de Ferro, por exemplo, afirma, é o mais perfeito representante de uma «masculinidade negativa», a qual se caracteriza pelo uso de uma violência desmedida contra os vilões e um tratamento abusivo e imaturo para com as mulheres. Ah, as mulheres, sempre as mulheres.

A solução, claro, consiste em reverter aos modelos antigos. Aos da justiça, aos da integridade, aos da decência. Não necessariamente em relação os vilões, esses miseráveis; mas claramente em relação às mulheres, essa nossa razão de existência. Porque um herói é, antes de tudo, um homem. Mas não um homem qualquer: é um homem que é vulnerável, um homem que lida com problemas reais de pessoas reais, como uma pessoa também ela real. Sofre porque ama – as mulheres, não os vilões. Como o Super-homem, por exemplo.

O que não deixa de ser sintomático. Afinal, se é verdade que quem procura sempre encontra, não deixa de ser interessante notar que, na sua procura de um homem perfeito, a professora Sharon Lamb venha a esbarrar numa verdadeira criatura de um outro planeta. Uma consequência, afinal, perfeitamente espectável em quem tende a levar a sua procura um tudo nada longe demais.

25/08/10

Trabalho de sofá


E ainda dizem que o dinheiro não compra a felicidade. Mas não se engane, caro leitor. Tudo isto, aqui em cima, por um terço do preço do bilhete que pagou para ver Roberto, eminente guarda-redes espanhol, no último jogo em casa do Benfica. E, como bónus, não acaba de ver cada episódio lavado em lágrimas.

As bad as it gets



O Tiago, em boa hora, menciona uma figura que, se não fosse de uma área política à qual me ligo racional e irracionalmente, me passaria completamente ao lado.

Minto. Henrique Raposo passa-me, de facto, ao lado. E literalmente. Quando faço o sacrifício de ir ler Rui Ramos, rogo sempre pragas à Redacção daquele infernal jornal brasileiro por resolverem encavalitar um excelente historiador numa página que, não raras vezes, junta o pior de Portugal: o Bloco de Esquerda; um contribuidor ocasional que, regra geral, deve pouco à inteligência e ainda menos aos poderes de cativar um leitor que seja; e, inevitavelmente, Henrique Raposo, delfim do «liberalismo de pacotilha» que o Tiago, conservador da linha «Estou-me a Cagar», bem refere. Se outra opinião não tivesse, bastar-me-ia dizer que o melhor daquela página acaba por ser o Daniel Oliveira, o que, sejamos francos, diz muito sobre Henrique Raposo.

Raposo passa-me, pois, literalmente ao lado. Mas de forma dolorosa, devo confessar. Aliás, para chegar aos obituários escritos por José Cutileiro, já várias vezes cruzei a página de Henrique Raposo e acabei com um cotovelo ou um ombro esfolado. Por vezes uns arranhões. Nada de mais, é certo, mas dói ver o liberalismo representado assim, numa mistura de estilos que, futebolisticamente, se poderia classificar como Jaime Pacheco meets Louis van Gaal: o pior do confronto homem a homem junta-se ao pior do academismo.

Imaturo, irritante e mentalmente preso na Guerra Fria, Henrique Raposo traz para a mesa uma velha questão moral: deve-se bater no ceguinho? Deve-se continuar a massacrar quem acredite, séria mas ingenuamente, que o «Estado Social» vai durar para sempre? Eu acho que não. Raposo acha que sim. Tem todo o direito. Podia era escrever menos vezes o mesmo, e variar de estilo.

Por muito que, lá no fundo, o meu país ideal seja o país ideal deste cronista, a forma histriónica e, paradoxalmente, maçante com que escreve faz com que a sua seja uma das piores colunas de um jornal que só ainda não chegou mais baixo que os trabalhadores da Mina da Panasqueira. «All the king's horses and all the king's men / couldn't put Humpty together again». Tivesse Henrique Raposo a forma de um ovo, e este seria o melhor epitáfio para a sua coluna.

24/08/10

Um novo amigo


Vamos por etapas. Compre ou peça emprestado o jornal Expresso. Um qualquer Expresso. Pegue no «caderno principal». Agora vire-o e comece a folhear pelas páginas finais. Sem medo. Ele não morde. Ainda. Vire uma página. Vire duas. Pare. Respire fundo. Foque a sua atenção na coluna do lado direito. Procure uma criatura que tem por hábito começar e terminar cada frase inelegível com um condescendeste «meus amigos» ou «caro leitor», e que tenta a todo o custo vender um liberalismo ignorante de pacotilha. Leia um parágrafo e confirme. (Se se confrontar com um indivíduo que o urge de que a salvação do país se encontra no Bloco de Esquerda, é por que foi longe demais – em todos os sentidos possíveis). Está lá? Encontrou? Óptimo. Agora fixe o nome: Henrique Raposo. Daqui para a frente este será o seu novo amigo e preferido alvo de antipatia. E escusa de agradecer. Eu é que agradeço. A sério.

20/08/10

«Eles» e o regresso de MEC




Quem ler o caderno P2 do Público de hoje encontrará uma surpresa: Miguel Esteves Cardoso a ameaçar voltar à sua boa forma mental e criativa. Pelo menos já calçou as chuteiras. Fica um pouco do perfume do futebol (nostálgico para mim) de MEC no artigo de hoje:

«Não aconselho a ninguém ouvir muitas horas de fóruns radiofónicos. As vozes na cabeça não se vão embora. Parece ter havido festa da grossa na sala mental onde iam as minhas palavras quando queriam estar à vontade.

(...) "Eu não acredito na crise: a crise somos nós que a fazemos."

Há aqui dois espectros em jogo: o espectro da confiança e o espectro da culpa. O primeiro depende de quanto se acredita no que "eles" (os que mandam neste país e enriqueceram à custa dele) dizem. A posição mais portuguesa é a do meio, porque nunca falha:

"Desconfio que não seja bem assim..." Como nunca é bem assim, nunca se faz má figura. Se as coisas estão muito piores ou piores do que eles dizem, também funciona porque o "não ser bem assim" aguenta uma carga irónica tão pesada quanto convier.

O espectro da culpa depende do grau de culpa que se atribui a "eles". Aqui a posição mais portuguesa é radical, mas, ao mesmo tempo, assegura que não se venha a ser desmentido: "Minha é que não é, com certeza..." Passa por gracejo, mas, subentendida, há uma circunspecção: se calhar ele sabe quem são os culpados, mas prefere guardar segredo, por enquanto. (...)»

19/08/10

Escrever


Não sei bem porquê, há certas pessoas que se esforçam todos os dias por me exigir palavras, palavras, e mais palavras. Sobre tudo. Sobre nada. As palavras, essas, é que são o essencial. Isto, claro, é a história do costume: que escrevo pouco, que o que escrevo não chega, que devia escrever mais. Que fazer? É claro que desconfio que o pedido não surge de uma fome insaciável pelo doce sumo do escriba. A coisa estará mais relacionada com a obsessão alimentícia de manutenção do sítio. E se o sítio precisa de comer, é a este escravo que cumpre o trabalho de o alimentar. Obviamente.

Trabalho difícil. Especialmente quando o escravo faz o trabalho de três. O dele. O de um fantasma de que só se conhecem três letras. E o de um outro que prometeu mas que ainda nem sequer apareceu. Que fazer, portanto? A solução óbvia é escrever mais. Mais? Mais. E menos também. Dois parágrafos. Três no máximo. (Quase) Diariamente. Como pressão. A ver vamos se funciona.

A história do mundo



O João, que por estes dias anda a ler Isaiah Berlin, coloca a questão: será a felicidade o único valor que o homem busca? Único não digo. Mas digo o mais fundamental. Aristóteles pelo menos pensava que sim. E eu penso que Aristóteles pensava bem. Razão simples: a felicidade é o valor sobre o qual todos os outros se subsumem. A dificuldade? A extrema relatividade daquilo que a felicidade é para cada indivíduo em particular. O perigo? O do cair na tentação de impor uma felicidade padronizada, que elimine as inclinações e preferências pessoais dos mesmos. A história dos regimes políticos não é mais que a história destas questões.

18/08/10

Felicidade




Em Rousseau e outros cinco inimigos da Liberdade, Isaiah Berlin termina um texto sobre Helvétius - um filósofo muito pouco dado às liberdades individuais mas, como é natural, inspirador de regimes muito rígidos devotados à «felicidade» de todos - desta forma:

«É um sistema muito rígido e sólido; não há espaço para nos movermos no seu interior. Talvez consiga gerar felicidade; mas não é claro - não o era mesmo no século XVIII e seguramente não se tornou mais claro posteriormente - que a felicidade seja o único valor que o homem busca.»

É uma grande frase, e que poderia abrir todas as discussões de filosofia política sobre a vivência em sociedade.

Eu tentei e falhei


Tentei escrever um texto cheio de pretensões, cinismo e humor. Isto serve apenas como informação de que falhei e preferi ir ler.

16/08/10

Pensamento literário do dia


Pensamento literário do dia:
mas que merda de letrinha têm estes livros da revista Sábado.

A queda do gigante



Já vai com um grande atraso, mas não podia deixar de referir aqui a notícia da morte de Manute Bol, no passado dia 19 de Junho. Manute Bol, um sudanês nascido em 1962, provavelmente será um nome que não diz nada a ninguém. Ou quase ninguém, vá lá, porque quem acompanhou a NBA nos anos 80 e 90 (no meu caso, desde tenríssima idade) conhecerá, certamente, este nome.

Manute Bol foi, até ao aparecimento de Gheorghe Muresan - célebre jogador dos Washington Wizards e com passagem no cinema em filme com Billy Crystal -, o jogador mais alto de sempre da NBA, e, mesmo assim, apenas igualado por Muresan, e não ultrapassado: 2,31 metros, dizia o passaporte de cada um. Ou 7"7 (pés e polegadas), para quem acompanha as medidas americanas, precisamente por causa do basket americano. Não é brincadeira.

Enorme, esguio, desengonçado, estranho, de braços tão longos que nenhuma bola parecia capaz de passar por ele, Manute Bol não ficou famoso por ser um jogador exímio. Aliás, a sua falta de talento técnico era quase tão alta como as suas pernas. No entanto, e ao contrário de tantos cepos que passaram por aquela liga, Manute Bol impunha respeito não só pelo comprimento dos seus braços mas pela forma como se impunha debaixo do cesto, bloqueando tiros atrás de tiros.

A 19 de Junho não se foi só um ex-jogador de basket da NBA. Foi-se, sobretudo, um símbolo, um ícone para quem acompanhava a NBA e tem interesse pela história da mesma. E, porque não dizê-lo, uma das figuras mais peculiares do desporto em geral de que eu tenho memória. Os lançadores de curta distância na NBA estão, desde 19 de Junho, mais descansados.

Crescer



Ontem levei trabalho para casa. Saí do trabalho, meti-me em meia dúzia de transportes públicos e lá foi ele comigo.

Quando se é novo, a ideia de levar trabalho para casa limita-se ao medo de passar o fim-de-semana a fazer contas de dividir ou a preencher frases com formas verbais em inglês ou francês. Nada de mais? Errado. Na altura é um dos maiores medos de cada um de nós. O terror de perder a infância para a aritmética. O terror de, assim, nos podermos tornar num adulto parecido com o Guilherme d'Oliveira Martins. Quando se é miúdo, um fim-de-semana passado ao som dos TPC's não é fim-de-semana de todo. Aliás, é um pouco como ir a um jantar romântico com a Scarlett Johansson... e o marido dela.

Mas tudo piora quando se tem um trabalho. Quando se «é adulto». Quando se «tem responsabilidades». E o que é isto de ser adulto e ter responsabilidades? Fiquei a perceber, muito recentemente, e para além das hesitantes certezas que já tinha, que «ser adulto e ter responsabilidades» é levar trabalhos para casa. Sim, um pouco como quando se é miúdo. Mas pior. Em versão predatória e aterrorizante.

Ser adulto é levar para casa trabalho e problemas, sim... mas trabalho e problemas dos outros. Que os outros deveriam cumprir ou resolver, mas que a mim me caíram no colo. É a minha lição da semana passada.

12/08/10

Artigo

Um texto meu sobre O Ensino do Português, de Maria do Carmo Vieira, mas agora em versão toda bonita, no Setúbal na Rede.

The Uses of Pessimism and the Danger of False Hope



O livro, esse, já está encomendado.

10/08/10

A filmografia pessoal numa gota de sangue


Ao que parece, e por razões médicas, os homossexuais estão cordialmente impedidos de doar sangue – não perguntem. Por essa razão, a secretária de Estado da Igualdade, a dra. Elza Pais, veio desafiar o presidente do Instituto Português do Sangue (IPS) a retirar dos questionários as perguntas relativas à orientação sexual dos dadores, por considerar que estas são «discriminatórias». Don’t ask don’t tell, parece ser o lema.

Impossível não concordar com o desafio. Principalmente para alguém que já foi dador. Fui. Não sou. E não sou por três simples razões. Primeiro, porque o estado de letargia crónica induzido pela perda de meio litro de sangue não é particularmente agradável. Segundo, porque o lanche que é candidamente oferecido à saída é algo a que até os piores criminosos estão poupados. Terceiro, porque o dito inquérito a que qualquer um está condenado não cai bem em almas puritanas como a minha.

Porque o acto de descortinar a orientação sexual é o menor dos males a que uma personagem caridosa está condenada. Pior é a aparentemente necessária inquisição pidesca acerca do número de parceiras – as passadas, as presentes e as futuras; de se a sedução implica a troca de dinheiro ou de meras mentiras; de se a segurança do acto é pré ou pós vitoriana; de se a posição é a sancionada, a duração a recomendada e a satisfação a desejada. A isto, claro, se chama o historial médico.

É claro que, bem a ver, tudo isto não passa de uma filmografia pessoal. Ao contrário do que a dra. Elza Pais gosta de pensar, os questionários não originam um simples problema de «discriminação». Na verdade, e mais tragicamente, eles denunciam um problema mais grave de pura devassa da privacidade pessoal. Por isso, e até que essa evidência seja percebida, a doação de sangue, mais pergunta menos pergunta, não deixará nunca de continuar a ser um mau filme pornográfico, onde cada um está incessantemente condenado a desempenhar o papel principal. E que os homossexuais estejam «discriminatoriamente» proibidos por lei de relatar as suas carreiras íntimas a um perfeito desconhecido de bata branca, não deixa de ser algo que os deverá alegrar.

05/08/10

Trabalho de sofá

04/08/10

A tolerância e o progresso entram juntos num bar...




Na National Review, Kathryn Jean Lopez escreve sobre Kenneth Howell, o professor de religião Católica - no Departamento de Religião - da Universidade de Illinois, que foi recentemente readmitido no quadro de professores da universidade.

Howell tinha, alegadamente, referido que as leis naturais dos Católicos implicam uma moralidade. Moralidade essa que, por sua vez, delimitará um terreno em redor do qual determinados actos, aos olhos do jusnaturalismo, seram «ilegais». Coisa incompreensível para as luminárias do politicamente correcto, claro. Um aluno mais sensível à temática das «minorias sexuais» (sempre achei penoso ter de usar termos como «minorias» ou «maiorias») achou que o Professor Howell, ao referir que a lei natural, segundo o Catolicismo Romano, condenava a homossexualidade, estava a violar o dever de «tolerância» para com os outros, nomeadamente as «minorias sexuais». Como tal, não tinha lugar - bradavam a pés juntos - numa instituição que alberga a discussão e investigação científicas. A palavra foi passando para instâncias superiores e o Professor acabou na rua.

O crime? O Professor Kenneth Howell, como muitas vezes acontece, acreditava, de facto, no que ensinava. Ou seja, acreditava na moral antes das leis positivas. Coisa estranha: isto invalidaria que John Locke, por exemplo, pudesse alguma vez ensinar na Universidade do Illinois - ai de nós, ter um tipo destes nos quadros de professores! O crime maior? Howell é, de facto, Católico. E praticante. Compreende-se o ódio. Num mundo de dita «tolerância» levada ao extremo, o que resulta não é o relativismo da moral - que admite o valor relativo de cada moralidade ou cultura - mas a completa ausência de uma moral ancestral, partilhada por inumeráveis milhões de pessoas. A cultura do «civismo», da «cidadania» e da «tolerância» criaram um quadro moral que não é mais do que uma piscina vazia, com um fundo de cimento, da qual não se pode sair e na qual não há qualquer identificação ou familiaridade.

O que também não parece ter passado por aquelas cabeças vazias é que o Professor Howell, antes de mais, e sobretudo, é um académico. Um professor com responsabilidades e funções científicas e de divulgação e que, como tal, divulga o que outros já disseram ou o que o tempo deixou para ser estudado. Ponto. Nada mais interessa. E o que é ainda mais grave é que despediram - com rectificação mais tarde - um professor por ser professor. O facto de um professor de Religião estar a ensinar Religião também não parece ter feito comichão a ninguém.

A readmissão de Howell, se não é uma pequena vitória (que não é de todo) para o bom-senso, é, pelo menos, a mostra de que ainda há meia dúzia de gatos pingados que se esforçam pela manutenção da ligação às pessoas independentemente das suas crenças pessoais, ao invés da enorme legião de idiotas que diriamente batalham pela sua devoção ao mundo das ideias, independentemente das pessoas que tiverem de ser salvas e das que tiverem de ser sacrificadas.

Mais ainda, a readmissão de Howell mostra que a sociedade americana, com tudo o que tem de mau e contraditório, ainda é aquela em que mais se luta no espaço público pela pluralidade e pelo direito à liberdade expressão. Por oposição a Portugal, claro, onde ainda hoje Joaquim António de Aguiar, Presidente do Ministério dos tempos da Monarquia Constitucional, o «Mata-Frades», é louvado não pelas suas eventuais reformas políticas, mas precisamente pelas reformas que lhe deram esse mesmo nome: «Mata-Frades». Cada país tem o povo que merece. E, consequentemente, vice-versa.

Pensamento do dia


Foda-se. Este tipo é um grande músico.

O romance na arena


Estudos científicos recentes dão conta que as senhoras se sentem mais atraídas por homens vestidos de vermelho. A força da atracção, avisam, não está no homem, mas na própria cor. O vermelho é o essencial. Que por detrás da cor exista de facto um elemento do género masculino, é algo, no fundo, acessório.

Estranhos tempos. Antigamente, para conquistar a senhora dos nossos sonhos, não deixava de ser requerido algum charme, uma rosa ou duas e um jantar decente iluminado a velas. Para isso, claro, era necessário a presença do homem. O charme não se vende, a rosa não se entrega sozinha e o jantar, obviamente, não se come, nem se paga, por si mesmo. Hoje isso acabou. Hoje, aparentemente, se o homem ficar em casa e a senhora for jantar somente com uma qualquer gravata vermelha há uma maior hipótese de sucesso. O jantar, esse, não duvido, fica claramente mais barato.

Tudo isto, na verdade, se compreende. Actualmente, entre homem e mulher, já não se pratica o antigo jogo da arte da sedução e do requinte. Actualmente, o jogo é triste e não passa de uma forma de tourada, onde a mulher investe inconscientemente sob o homem que grita mais. Que ao homem se venha a tornar inevitável o uso de uma capa vermelha enquanto dançar freneticamente em frente do bicho, não espanta. Enfrentar o touro nunca deixou de exigir algumas peculiaridades.

Um sonho de uma noite de verão


O sonho é antigo. Ter um país totalmente constituído por criaturas de excelência intelectual, capazes de figurar em qualquer lista anual de nomeados ao prémio Nobel.

Mas sonho antigo, não é sonho esquecido. A Ministra da Educação, a dr.ª Isabel Alçada, aliás, este fim-de-semana, até já veio a público oferecer a medida que promete fazer do sonho uma realidade. No fundo, calculo, o pensamento rondará a ideia de que se é verdade que a lista de nomeação aos prémios Nobel não costumam contemplar os cérebros portugueses, isso só poderá significar que estes, coitados, ainda se encontram retidos na escola, quiçá, a aprender a decifrar a hermenêutica da TV Guia. A solução, por isso, torna-se óbvia e simples: é necessário acabar com a retenção na escola que, na verdade, apenas serve para reter os génios da sua própria genialidade e Portugal da sua glória natural.

A Confederação Nacional das Associações de Pais, aparentemente, concorda. E não só concorda, como esclarece que esta será «seguramente a maior reforma educativa depois do 25 de Abril».

A maior reforma depois do 25 de Abril? Psstt. Falta de optimismo. Esta será seguramente a maior reforma que alguma vez ocorreu em Portugal. Que esta sirva prioritariamente para reformar para o caixote do lixo um país por inteiro, é um pequeno pormenor que, na verdade, a ninguém deverá apoquentar.

03/08/10

A guerra de Sledge e a guerra da leitura


Há livros que são tão bons que parecemos não querer que eles acabem, mastigando lentamente cada palavra e cada frase para não a deixar fugir antes de lhe tirarmos o que queremos. Há livros tão maus que por mais que nos esforcemos não dá para ler mais do que uma página por dia, e a leitura arrasta-se mais lentamente que o Marquês de Fronteira depois de uma bela feijoada. E depois há livros como o With the Old Breed, um livrinho de bolso com umas memórias de guerra interessantíssimas de Eugene Sledge, um ex-fuzileiro naval que esteve na «frente japonesa» da Segunda Guerra Mundial, destruíndo voluntariamente (foi voluntário) a sua saúde e a sua juventude nos traumáticos embates com o inimigo naquelas ilhas terríveis do Pacífico.

A leitura desta pequena pérola, que tenta dar os detalhes inocentes e em primeira mão - por oposição à conjugação dos vários esforços de guerra e à visão geral da guerra - daqueles Marines, nunca me foi penosa, nunca me fez arrepender nem ter vontade de pousar o livro. E, no entanto, continuo a lê-lo há mais de um mês, apesar de (hellas!) já ter passado de metade.

A pergunta fica: o que faz um livro decente demorar-se nas nossas mãos, custar a deglutir? Será a letra pequena (no caso deste), será o tema (que freudianamente posso estar a rejeitar por via inconsciente)? Não sei. Mas gostava de saber, a bem da boa leitura.

As vantagens do chumbo


Apercebi-me logo no início do 12.º ano que não iria ter média para entrar na faculdade. Chumbei por faltas. [...] Não me orgulho, mas agi bem, porque entrei no ano seguinte.

Ricardo Costa, directo-adjunto do Expresso, via i.

Foi quase. Com um pouco de sorte e um sistema de chumbo um tudo nada mais eficiente, talvez se tivesse conseguido evitar de todo este «caso de sucesso».