Hoje é um dia decisivo. Um dia de charneira. Mas descansem, caros leitores, não sou um fatalista do futebol. Apesar de perfeitamente integrado e acomodado no complexo sistema de treinadores de bancada, não choro a ver futebol e, certamente, não faço «preparativos» para um jogo de futebol. Nem mesmo uma final do Mundial - que continua a ser, para mim, o pináculo da satisfação para quem gosta destas coisas. Não, o dia não tem exclusivamente a ver com futebol. Hoje é um dia decisivo porque, acabando o Mundial - um assunto actual minimamente interessante -, entramos directa e definitivamente na «silly season».
Mas, antes de divagar no deserto que é viver em Portugal entre Julho e Setembro, falemos de futebol, que continua a ser a nossa única grande reserva de petróleo.
A Espanha fez uma caminhada peculiar até à final do Mundial. Vitórias curtas, uma eficácia que até deixou bastante a desejar, uma certa de falta de confiança no início da prova. A coesão do meio-campo e a facilidade com que trocavam e trocam a bola no meio-campo adversário não compensava a falta de ideias e de movimentos de ruptura perto da grande área.
E nisto reside a grande lacuna deste Mundial para a Espanha: Fernando Torres. Sem Torres em forma, a equipa domina a bola, até pode dominar o jogo, mas não consegue aproveitar os espaços criados. E isso tem sido óbvio em vários jogos, incluindo contra Portugal, equipa desfalcada que se viu empurrada para trás mas que a Espanha não conseguiu «fuzilar» com o jeito que poderia ter em melhores dias.
Os prós da Espanha? A defesa, com toda a sua experiência e velocidade (Puyol, Ramos) temperadas com um central cuja agilidade desafia as leis da gravidade decorrentes do seu metro e noventa e dois (Piqué). A facilidade com que o «acordeão» do meio-campo abre e fecha sobre o adversário, com bola ou sem bola, com espaço ou sem espaço (só os magos Xavi e Iniesta seriam suficientes para isto). A experiência que têm de jogar juntos, e com este sistema, há largos anos, desde as camadas jovens. E, finalmente, Villa, que confirma o seu estatuto como avançado polivalente que surge fora da área ou dentro da área conforme as necessidades do jogo, sendo a maior delas, neste Mundial, o «apagão» de Torres.
Contras? Não há muitos. Mas a ausência de um ponta-de-lança de área (que até Güiza colmatou no Euro 2008) pode ser importante se a Holanda se fechar na defesa. A falta de confiança que, de vez em quando, surge no seio da equipa mas que, com a consciência de estarem na final de um Mundial, certamente já terá sido desintegrada.
Já a Holanda parece ter caído um pouco de pára-quedas nesta final. É um histórico do futebol europeu, mas um histórico de poucos trunfos na manga. Tal como a Inglaterra e, curiosamente, a Espanha, parece que fica sempre a faltar algo à Holanda para ser perfeita e muito para ser campeã, quando outras selecções ganham títulos a fio com muito menos argumentos. Se é a confiança, se é a influência psicológica da ideia de uma «maldição das grandes competições» ou se é outra coisa, ninguém sabe. O que se sabe é que, desta vez, depois da era dos De Boer, Kluivert, Bergkamp, Nistelrooy, Van der Sar, Winters, Seedorf e outros tantos craques, é uma equipa cheia de buracos que tem na mão a hipótese de fazer justiça pelas grandes equipas holandesas que ficaram pelo caminho.
Prós? Sem rodeios, Sneijder e Robben. São eles os grandes obreiros do caminho da Holanda nesta competição, e os dois motores criativos de todo um país. Van Bommel, pelo trabalho sustentado que faz naquele meio-campo. Stekelenburg, que (apesar das críticas que tem recebido) recebeu a difícil herança da baliza de um dos melhores guarda-redes de sempre da Europa (Van der Sar) mas tem cumprido decentemente a tarefa, safando até a Holanda de alguns dissabores nesta competição. A favor, têm ainda o espírito de um país do futebol que ainda não vingou num Mundial a sua tradição importantíssima para o desporto na Europa.
O que joga contra a Holanda? Aqui há mais do que na Espanha. O desconcerto daquela defesa, onde a maior parte dos jogadores parecem esquecer-se que jogam ao lado de outros. O lado direito da defesa, onde a inexperiência de Van der Wiel e a excessiva dureza de Boulahrouz poderão criar graves problemas ao sector recuado da equipa. E, mais importante de tudo, o medo da tradição, o medo de estarem condenados a não ganhar nada, se a cabeça ficar focada nos insucessos do passado.
Provavelmente, será um grande jogo. Provavelmente, a Espanha até ganhará - tem, aliás, melhores condições para o fazer. Mas, em nome do contraditório, eu apoiarei a Holanda. Não é uma manifestação de anti-iberismo ou o raio. É simples admiração por dois jogadores: Robben e Sneijder. Mais do que isso, é admiração por uma miríade de jogadores que nunca vi ganharem quando mereciam: Bergkamp, De Boer, Overmars, Seedorf, Crujff, e por aí fora. É, sobretudo, por 1974, e pela derrota do melhor futebol em prova, que apoio a Holanda hoje. Para que os melhores jogadores de outrora possam ser campeões. Nem que seja da bancada.
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