E pronto. Começaram os assuntos criados à pressão. Tal como referi aqui, com o fim do Mundial entrava-se no grande vácuo (de notícias e temas) que, dizem as leis da Física, tem de ser instantanemanete preenchido com mais volume. Nem que seja de ar.
E de puro ar se encheram as manchetes na última semana. Aparentemente, foram «descobertos», ou desmascarados, vários espiões russos nos Estados Unidos. Uma dezena inteira, pelo que dizem. Espiões russos que, pasmem-se as alminhas, «pareciam-se com cidadãos comuns e transmitiam para o SVR (um dos serviços de espionagem russos herdeiros do KGB) informação banal», a acreditar no que diz o Diário de Notícias.
Claro que, para mim, foi uma surpresa descobrir que os espiões, para além de malandros, ainda cometiam o pecado último de se «misturarem» («blend in», para ser mais preciso) com a população civil. Não sei se, para o leitor, também foi um choque saber isto. Que desgraça. Agradeço ao jornalista pela informação útil.
Rebentaram logo as consciências mais sensíveis. Vem aí a Guerra Fria. Chegaram os «vermelhos». A Rússia quer dominar o Mundo (não é que não queira). Estamos todos inseguros e vulneráveis à acção da espionagem de outros países.
De facto, aqui há dois grandes pontos a lembrar.
Primeiro, os espiões misturam-se. Não se misturam assim ou assado, assumem esta ou aquela identidade. Misturam-se, ponto. A maior parte deles, até, não «nasce» na vida para-militar, nas forças de segurança ou sequer em serviços governamentais. Desenvolvem, isso sim, as suas vidas profissionais na maior das calmas e na maior das doces ingenuidades até serem abordados e convidados a aproveitar a posição proeminente que têm na sociedade do seu país ou do estrangeiro para «espiarem», que é, na prática, quase o mesmo que dizer para «ficarem atentos a qualquer coisa estranha». A quem servir a luva, fica a informação: o que define um espião é, precisamente, sê-lo sem ninguém saber. Dizer que espiões russos, inacreditavelmente, até «se pareciam com cidadãos comuns» é que é de fazer chorar qualquer pessoa com um palmo de testa.
Em segundo lugar, este súbito «alerta vermelho». Algumas pessoas, e jornais que deviam saber melhor, já andam para aí a dizer que, afinal, a Guerra Fria não acabou e que estamos a passar por um novo período sensível nas relações entre os Estados Unidos e a Rússia. Puro disparate. A espionagem existe porque sempre existiu. E sempre existiu porque a desconfiança é um elemento crucial de auto-preservação nas relações humanas, sobretudo na diplomacia, que é a mais formal desses relacionamentos. Desconfiar é proteger o próprio coiro, poderíamos dizer.
Para além do mais, é curioso que só se olhe sempre para russos e americanos. Ainda em Janeiro deste ano, o Presidente Sarkozy decidiu criar uma «escola de espiões». O objectivo? Criar espiões? Não, de forma alguma. O objectivo é centralizar os serviços de espionagem da França, que são dos mais antigos da Europa e, diz-se entredentes, dos mais eficazes deste Continente a navegar no optimismo e na confiança universal. Não é por acaso que a palavra inglesa «espionage» é, na verdade, francesa.
E quem diz França, diz Espanha, Alemanha, Marrocos, Canadá, México (sim, até o México, sem preconceito de imaginar espiões de sombrero), África do Sul, Reino Unido ou Portugal. Muito bem, talvez em Portugal o conceito de espião tenha de ser referido entre aspas, mas os serviços, como toda a gente sabe, existem.
Sarkozy não podia «criar» espiões porque estes já existiam há muitos anos e andam por aí, a fazer o mesmo que russos e americanos. Quem sabe, talvez estejam neste momento a tomar um Café na Brasileira a ver quem passa. E a tomar notas num post-it microscópico, claro. A prepararem-se para a nova Guerra Fria.
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