Anda agora, para aí, uma grande celeuma com os «perigos da internet». Essa histeria já vinha de muito antes, é claro, provavelmente até desde a primeira vez que alguém teve a ideia de criar uma qualquer rede que permitisse contacto rápido entre pessoas sem necessidade da presença física de cada uma delas. E piorou, certamente, quando virtualmente toda a gente - sem barreiras de idade - começou a poder aceder a ela. Mas desta vez a discussão bateu, provavelmente, no ponto limite.
Da monitorização da actividade alheia e do «controlo parental» (uma forma assustadora de dizer aos próprios filhos que os consideramos atrasados mentais) - assente numa falsa crença de que há um controlo ideal da vida da nossa prole e que desse controlo resulta um ser capaz de decidir sempre racional e razoavelmente - passou-se para um estado de alerta face à pirataria, aos vírus e, de uma forma que tem mais de hipotético do que de real, à «ameaça terrorista» da internet.
É certo que o terrorismo adapta-se a todos os meios possíveis para agir. Mais até do que os meios, o terrorismo foca-se em todas as vulnerabilidades do seu inimigo: no caso, será a «sociedade ocidental» ou o «mundo moderno e desenvolvido». E não há maior vulnerabilidade do que as grandes fontes das quais enormes fatias da sociedade dependem: petróleo, água, electricidade... internet.
Mas de uma posição de desconfiança e prevenção, passou-se a um estado de completa absorção da liberdade de acção pela «monitorização», pelo «policiamento» da web. Ou seja, é, como sempre, a ideia de que se algo é usado muito intensamente, tem de ser filtrado 24 horas por dia por uma qualquer autoridade governamental sem cara e, muitas vezes, sem nome. Dos anti-vírus no computador passamos, quase sem querer, a ter de assinar, de forma não voluntária, um contrato vitalício com autoridades que sabem o que é melhor para nós e que, mais grave ainda, acham que sabem quando cada indivíduo não está a cumprir o seu papel de bom cidadão enquanto navega na internet. Como sempre, em poucos anos, passou-se da ideia nova e livre para a absorção pelos grandes grupos empresariais (que passaram a depender da web para funcionar), e destes para a absorção pelos governos (que passam a policiar a net por nós, free of charge).
Tal como aconteceu nos aeroportos, a ameça veio, ainda que real, e a segurança deu uma resposta agressiva, blindando virtualmente os transportes aéreos a qualquer ataque terrorista. O mesmo aconteceu agora na internet. Mas, tal como nos aviões, a ameaça desaparece, enquanto a «resposta agressiva», essa, tão cedo não desaparecerá.