25/05/10

Serviço público


Ser pessimista é um estilo de vida. Não um modo, mas um estilo de vida. Um pouco como fazer exercício ou não andar de barco. Dizem que o primeiro hábito é saudável. Com o segundo hábito, até agora, não me tenho dado mal. E continuo assente na crença de que andar de barco aumenta as chances de morrer afogado. E depois vem o terceiro elemento deste estilo de vida: o pessimismo.

Acreditar que tudo pode correr mal é a maior cura para a baixa auto-estima. Repare-se, só duas coisas podem acontecer: ou acertamos nas nossas previsões (o que é extremamente recompensador); ou temos uma boa surpresa, que escusado será dizer que também é sempre agradável.

Na verdade, eu deveria arriscar que, sendo eu português, não sou assim tão original. O português é tipicamente pessimista, ainda que goste de pequenas e efémeras marés de embriaguez, de confiança no futuro, um exclusivo dos povos sebastianistas (ou será que somos o único?). Manda tudo à fava, faz um manguito ao seleccionador nacional ou ao Primeiro-Ministro e diz que ou «não volta a votar nestes vigaristas» ou «ai dele que volte a pagar bilhete para vir à bola ver estes lanzudos». Depois, na hora H, muda de ideias, corre para a primeira fila e grita a plenos pulmões, num último delírio de Ícaro antes das asas derreterem e a desilusão inexorável surgir. Raios os partam a todos. Eu bem disse. Eu é que sou parvo. Nunca mais cá ponho os pés. Com o meu voto não contam mais.

Mas, se quisermos ser rigorosos, o pessimismo é a característica do bom português, que se quer desconfiado. É, até, uma faceta verdadeiramente literata, já que é prova de que se conhece o cavalo de Tróia e de que somos todos filhos, não de Adão e Eva, mas de Cassandra, e apadrinhados pelo Velho do Restelo.

Por fim, verdade seja dita, o pessimismo é a maior forma de optimismo. Para além da evidência de que só se pode melhorar depois de se tomar consciência de que já batemos no fundo, quando não se espera nada, só se pode ficar contente com o resultado. E quando se está no chão, só há mesmo um caminho: para cima.

Aliás, agora que penso nisso, deviam agradecer-nos. Com a nação de pantanas, esta injecção de pessimismo desconfiado é mesmo um serviço público que prestamos ao país.

De nada. Ora essa.

1 comentário:

  1. «E quando se está no chão, só há mesmo um caminho: para cima.»

    Será que pressinto um ligeiro tom optimista nesta frase? É que se fosses um pessimista genuíno, acharias com certeza que não há limites quanto à desgraça e que para cima nunca é caminho... E esta, hein?

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