Quem nunca ouviu o doce pedido vindo de uma avó, uma mãe ou um tio? «Ó coiso, traz aí a m#$%& do jerricã de áuga (á-u-g-a)!». E nós lá iamos, carregando o gentil depósito de água, pesado que nem cornos, até aos nossos simpáticos progenitores ou restantes parentes, para estes desempenharem a hercúlea tarefa - que os impedia de se mexerem para lado algum - de regar a horta ou encher o reservatório de água do limpa-brisas do carro.
O que nós, crianças ignorantes, não sabemos é que o acto de pedir um jerricã - ou simplesmente de lhe referir o nome - é um «statement» muito tipicamente anglófilo. Mais, é uma verdadeira lição de germanofobia, ao eternizar a velha rivalidade, do contexto de guerra, entre alemães e britânicos. Escusado será dizer que, à boa maneira portuguesa, sugámos alguma da atitude britânica para com os boches.
Jerricã é a expressão menos científica, ou menos certinha, que poderíamos utilizar para descrever uma daquelas «caixas» cheias de água. Na verdade, não é mais do que um aportuguesamento da expressão dos soldados ingleses «Jerry can», que, traduzida à letra, significaria algo como «lata Jerry» ou, mais livremente, «lata boche».
O jerricã, ou «Jerry can», fiquei recentemente a saber, tem a sua origem nos depósitos de água ou gasolina que os alemães criaram algures nos anos 30 e que vieram a ser amplamente usados (e roubados pelos ingleses) na II Guerra Mundial. Supostamente, apesar de todas as suas falhas sobretudo na - afinal de contas, essencial - capacidade de não entornar o seu conteúdo, estes Wehrmachtskanister teriam revolucionado a portabilidade, capacidade e facilidade de arrumação dos depósitos de água e gasolina em campanha. Razão essa que terá levado os adversários do III Reich a aproveitarem os despojos de guerra para pedirem «emprestadas» algumas dessas «Jerry cans».
Portanto, da próxima vez que a avó vos pedir o jerricã de água para lavar os joanetes, não hesitem. Ao carregar um objecto que ajudou a matar a sede a soldados e veículos na II Guerra, é bem possível que estejam, vocês mesmos, a fazer história.